Do que parece e é

“O caso é que nós, adultos, também sabemos das nossas estacas. Não raro, sabemos da verdade, mas tentamos descorá-la.”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES




Fui buscar meu sobrinho de 5 anos no colégio. O nosso trajeto passa encostado à casa de uma amiguinha dele, que muitas vezes ele chama, mas até aquele dia em vão.

Dessa vez, lá estava ela, sentada na janela, perfeitamente enquadrada e acomodada por ser ainda tão miúda, segurando-se nas grades que buscavam impedir que a vida do lado de fora não incomodasse demais a vida do lado de dentro da casa.

Ele a viu e disse para mim, mas olhando para ela: “Parece que Laiane tá na janela”. A isso, eu respondi: “Não parece, ela está na janela”. Então eles trocaram algumas palavras, e depois seguimos em frente.

Contudo, não deixei de reparar no modo como ele disse “parece”. Não havia dúvida ou sentido de incerteza na voz dele, como na voz dos adultos quando dizem “parece que vai chover” ou “parece que fulano não vem hoje”.

Essas frases têm o seu fundo de talvez. No jeito do meu sobrinho, havia a certeza cravada, como uma estaca altiva, sólida, que a realidade não poderia anular. E nada mais natural: afinal de contas, ele tinha visto a amiga e me contou isso da forma dele.

O caso é que nós, adultos, também sabemos das nossas estacas. Não raro, sabemos da verdade, mas tentamos descorá-la. Usamos amenidades linguísticas, o corriqueiro “está tudo bem” que não é mais do que uma lona rota, que se sonha impermeável, para o “eu estou triste”. E há tantas outras mentiras que entregamos, de pronto, ao outro para não deixar nossas dores à mostra, ou simplesmente para sentirmos que não somos um incômodo.

A diferença, eu percebi, foi que meu sobrinho deixou claro o que queria dizer: “Laiane está na janela”. O seu “parece”, eu sei, foi só um “erro” que uma criança na idade dele facilmente comete. Ele usou um “eufemismo” para passar a sua verdade. Nós usamos um eufemismo para nos esconder dela.

Nessa corrida da sinceridade, nós, adultos, perdemos. Porque, apesar da vaga consciência do que se dá dentro de nós e à nossa volta, é mais fácil acreditar nas mentiras tão bem proferidas por uma voz que é nossa, mas que parece – no sentido real – que mal nos conhece.








 TEXTO: Elaine Regina Vaz 
INSTAGRAM: @elainereginavaz
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