Crônica de aniversário

“A vitalidade ainda não se esgotou, no entanto, ela se mostra um pouco mais limitada.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


Os tambores rufam, algum bloco se aproxima da esquina, meu coração progressivamente entra num ritmo desenfreado. Sobre a cama, o corpo já manifesta os primeiros sinais de cansaço. Ontem, eu me via como criança, hoje, a vida se resume em mais de três décadas de existência. A vitalidade ainda não se esgotou, no entanto, ela se mostra um pouco mais limitada.

O peso das circunstâncias é inevitável, assim como a reflexão dos fatos que poderiam ter sido e assim não foram. Das reminiscências que residem, lembro-me das primeiras paixonites e mais do que isso, resgato a esperança do amor que ainda cultivo, mesmo que seja apenas, uma pontinha da nossa doce ilusão.

Parece que vivemos apenas com um intuito: construir a memória para assim refletir, a respeito daquilo que fomos e somos.

Os tambores rufam, meus olhos penosamente se abrem para o mundo. Ao meu redor, o quarto com suas quatro paredes. No teto, o tabique é enfeitado com teias de aranha. Na minha mente, fantasias que insisto em colori-las com confeites e purpurinas.

Levanto-me morosa, pressinto a vida passear entre as ladeiras, avenidas e alamedas. Lá fora, o bloco de Carnaval alcança a janela do quarto. Curiosa, afasto as cortinas. Pessoas cantam, a felicidade também é hino. Entre brilhos e serpentinas, os passos são executados em extrema sincronia. Gritos, sussurros, harmonia, êxtase. Rostos úmidos exibem máscaras da vulnerabilidade, sorrisos embalados de plástico.

Não me concentro naquilo que cantam, minha melodia é silenciosa. Ela apenas se apresenta no calendário que exibe a data do meu aniversário. Fazer anos em pleno Carnaval é um misto de melancolia com um percentual de gozo. Antíteses que nos assolam...

Os foliões seguem felizes, avançarão pela madrugada até serem vencidos pela inadiável fadiga. Enquanto isso, o bloco desfila, embriagado pelo batuque da bateria. Meus olhos acompanham tudo, até o som estridente se tornar apenas, um remoto ruído, solto pela cidade tresloucada.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.





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