Seria mesmo "Deus, um delírio"?

"A religião é considerada verdade pelas pessoas comuns, mentira pelos sábios e útil pelos governantes”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA (Livro)


Do ponto de vista comercial, sem dúvida um título como esse já é capaz de suscitar interesse de inúmeros leitores. Além da questão comercial, o autor Richard Dawkins, biólogo e escritor britânico, nos mostra uma intenção mais ousada: “Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem”.

Ele apresenta seu ponto de vista sobre a crença em um deus, de qualquer manifestação religiosa, que se inicia na doutrinação das crianças, é alimentada pelo fanatismo e culmina por alimentar guerras mundo afora. 

Com base na teoria das probabilidades, sua intenção é desmontar um a um os argumentos daqueles que acreditam na existência de um ser superior. Ataca todas as formas de sobrenatural e agarra-se à ciência para afirmar categoricamente: “Sei que Deus não existe, com a mesma convicção que Jung ‘sabe’ que ele existe”.

Deus e a Ciência
Dawkins não relaciona Deus ao início da criação, simplesmente porque não acredita que tenha havido um criador. A origem da vida se deve a um evento químico, ou uma série deles, que proporcionaram reunir condições de vida e a continuidade decorrente da seleção natural.

Desse modo, tudo o que há no universo é plausível de explicações científicas e toda crença que possa envolver a ideia de um ato de criação superior, existência de um deus, é inconcebível. Segundo ele, “o cérebro humano é muito bom em construir modelos”. Sendo assim, as pessoas não seriam loucas, mas suas crenças sim.

Seu suporte científico fica basicamente alicerçado na seleção natural, que para ele seria a única alternativa viável, diferente da lógica criacionista, que considera ser sempre a mesma.

Como cientista, é hostil com relação à religião fundamentalista porque ela desdenha da ciência. As pessoas mais instruídas têm menor inclinação às questões religiosas. Aqueles que possuem tendências teológicas, não conseguem fazer a distinção entre o que é verdadeiro daquilo que gostariam que fosse a verdade.

As religiões e as guerras
Desde cedo as crianças, tanto no cristianismo como no islamismo, são ensinadas que a fé inquestionável é uma virtude. Todos nós somos “criaturas de Deus”, mas cada qual segundo o modo difundido nas respectivas religiões.

Para ilustrar a consequência das divergências religiosas, menciona uma frase do dramaturgo irlandês Sean O’Casey: “A política já matou uns bons milhares, mas a religião já matou umas boas dezenas de milhares”. Também acrescenta uma citação do físico norte-americano Steven Weinberg: “A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, teríamos gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruins”.

Em favor dos ateus, como ele, afirma que pessoas que não creem em Deus podem cometer maldades, mas não as fazem em nome o ateísmo. Por outro lado, ao observarmos a história, podemos ver com frequência conflitos que foram movidos pelas religiões.

Numa obra repleta de frases que criticam as questões religiosas, a maioria de autores relativamente recentes, ele também se vale de uma citação de Sêneca para reforçar sua tese: “A religião é considerada verdade pelas pessoas comuns, mentira pelos sábios e útil pelos governantes”.

Seria o livro um fator de conversão?
Em “Deus, um delírio”, Richard Dawkins deixa patente que sua aversão pelas religiões é algo que está acima do fato de ser ateu. Sua paixão pela ciência fica evidente na citação de uma frase de Carl Sagan: “Quando estamos apaixonados, queremos contar ao mundo todo. Este livro é uma declaração pessoal, que reflete meu caso de amor de vida inteira com a ciência”.

Ele apresenta suas teorias com convicção e intenção explícita de “converter” os crentes religiosos em ateus. Menciona, por exemplo, que a religião convenceu as pessoas que existe um homem invisível, que vigia tudo e que vai punir com fogo por toda a eternidade quem não cumprir as dez coisas de uma lista especial... E ironiza: “Mas Ele ama você”.

Podemos observar que o autor se utiliza de trechos como esse para dar suporte aos seus conceitos, o que é perfeitamente válido. Porém, “peca” ao conferir a eles o valor de “uma prova”, quando na verdade trata-se de seu ponto e vista.

O livro mostra-se importante quando dá uma “chacoalhada” na imposição das crenças religiosas, que somos obrigados “a engolir” desde criança. Todavia, ao contrário das pretensões do autor, fica a dúvida se sua obra seja realmente capaz de transformar seus leitores em “ateus de carteirinha”.


 TEXTO: Paulo Cesar Paschoalini 
BLOG: http://pirafraseando.blogspot.com.br
REFERÊNCIA: DAWKINS, Richard, Deus, um delírio. São Paulo: Companhia as Letras, 2007.
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O articulista atua como colaborador deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista do autor, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.


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