Bocas

Bocas que transformam, com o seu cantar,
sentimento em sons, pensamento em voz.

REVISTA VICEJAR – ARTE E CULTURA ( Música )


MÚSICA: Bocas
- Composição: Paulo, Alex e Zé Roberto Paschoalini
- Interpretação: Dênis

Bocas em silêncio, depois de falar de amor;
bocas que se buscam, lábios que se tocam.
Bocas que acendem o fogo da paixão,
para incendiar corpo e coração.

Bocas de crianças reclamando do abandono;
bocas que insistem em clamar por Deus.
Bocas sempre abertas esperando o pão,
pois a fome dói como a solidão.

(REFRÃO)
Ah!... Os homens se esquecem
que as bocas existem pra sorrir, contar, falar...
E não pra se calar!
Ah!... Bocas que calam,
que nada falam, mas dizem tudo.

Bocas que se abrem num sorriso de alegria;
bocas que declamam versos poesias.
Bocas que transformam, com o seu cantar,
sentimento em sons, pensamento em voz.

Bocas que ordenam a matança de milhões;
bocas que se calam ante o mais forte.
Boca de um arma pode ser capaz
de calar a voz e ferir a paz.

(REFRÃO)
Ah!... Os homens se esquecem...

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“Uma imagem vale mais que mil palavras”, diz uma expressão atribuída ao filósofo chinês Confúcio, que tornou-se um dito popular muito conhecido. Millôr Fernandes, por sua vez, tomou esse pensamento milenar e sugeriu: “se uma imagem vale mais que mil palavras, então diga isso com uma imagem”.

Assim, antes do surgimento da escrita, e na falta de propagação de imagens, toda a sabedoria que desembocou nos dias atuais foi transmitida de forma verbal, ou, “boca-a-boca”, de pessoa para pessoa.

O cantor e compositor Belchior mencionou em sua música “Como nossos pais” o seguinte verso: “para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua, é que se fez o seu braço, seu lábio e a sua voz”. Desse modo, além de se expressar através da fala, a boca pode ainda demonstrar sentimento através do beijo, por exemplo.

E foi justamente esse trecho da composição o ponto de partida. Bocas que também se alimentam, sorriem e cantam, além de acompanhar a dor de um choro, silenciar por vontade própria, ou calar-se por imposição. Daí veio à tona a poesia/música “Bocas”, composta em parceria com Zé Roberto e Alex, há mais de 20 anos, baseada numa época em que o mundo tinha seus conflitos inerentes àquele momento.

Apesar de gostar mais da forma livre de poesia, não me prendendo muito a estruturas poéticas, certa vez me disseram que esse texto caracteriza-se como sendo “anáfora”, que é a repetição de uma ou mais palavras no início dos versos.

O tema abordado na composição não era algo exclusivo daquela época, uma vez que, “desde que o mundo é mundo”, aquilo que menciona o conteúdo é algo recorrente. No entanto, ao tomarmos contato com as informações que temos acesso nos dias de hoje, infelizmente talvez essa letra seja mais atual ainda.

Sempre se falou em amor, mas não de maneira tão superficial. Nunca se viu tanta fome, mas poucas vezes de forma tão cruel. A necessidade de se expressar sentimentos tem extrapolado o que se convencionou chamar de urgência. A violência e armamentos sofisticados jamais mataram tanto.

A gravação foi feita em estúdio amador, mas entendo que reúne condições para ser ouvida com um mínimo de qualidade. Provavelmente uma produção profissional, preenchida com vocais, por exemplo, pudesse realçar e valorizar a composição. Embora não seja uma música considerada “comercial”, às vezes a imagino na voz de algum artista conhecido do grande público (não custa sonhar!).

Penso ser o tipo de canção capaz de instigar a nossa reflexão sobre a necessidade de se ter vez e voz no mundo, justamente numa época em que botões e gravatas deliberadamente sufocam nossa garganta, não apenas dificultando a respiração, mas, principalmente, para interferir na nossa “inspiração”.

Como poema, o texto foi publicado na página 22 de meu livro “Arcos e Frestas”, em 2003. Como composição musical, espero que essas “Bocas” consigam gritar essa tal realidade em que vivemos, como no refrão, que traz consigo um misto de alerta e clamor.

Que a ausência de tempo não nos impeça de ver com a devida clareza e com a dose de humanidade que tanto está em falta ultimamente!








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