Leitor-menino

“Com uma abertura lacrada, não vemos as oportunidades, mas é um fato que também não somos vistos por elas...”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


Um leitor-menino, de olhos de um azul indescritível, cuja vida tem no bolso apenas 12 calendários, me diz que leu uma crônica minha e pergunta:

— A janela está fechada mesmo?
— Está, é tudo verdade. Aí pensei: “Vou escrever sobre isso”.
— Ainda tem a marca lá?
— Tem, dá pra ver que era uma janela.
— Que triste era pra ela nunca mais voltar…

Fico pensativa e respondo:
— É, meu pai fechou porque ele não dorme mais lá, dorme no cômodo ao lado.
— Tu desce lá pra ver teu pai?
— Desço sim às vezes.
— Hummm, então a inquilina é o inquilino! — E estouramos em boas risadas. Depois ele continuou:

— Então a janela se fechou para ele…
— Sim, eu não teria fechado. E acredito que ele fechou há muito tempo, e eu não percebi.
— Mas é muito estranho fechar uma janela assim… É como fecharmos as almas em uma prisão. Almas se dividem, e dói…

Que palavras profundas, que sensibilidade”, pensei comigo mesma e prossegui:
— Você está certo, é triste fechar uma janela assim. Quando eu vi, fiquei me lembrando da paisagem que havia do lado de fora. E eu gostava quando o sol entrava. – Nessa hora, ele pergunta, inconformado:
— E se a nossa fada ficar do lado de fora com a nossa sorte na mão?

Pois agora me responda você, leitor: o que você faria se a sua fada chegasse até a sua casa com a sua sorte na mão e ficasse presa do lado de fora? Leitor-menino trouxe uma nova luz ao caso e arrematou as metáforas. Eu vi tudo pelo lado de dentro, ele viu a coisa toda pelo lado de fora.

Com uma abertura lacrada, não vemos as oportunidades, mas é um fato que também não somos vistos por elas, que podem estar acocoradas atrás de algum arbusto, faceiras, apenas aguardando a chance de poder entrar de modo sorrateiro.

Se alguém também me perguntar agora: “Esse diálogo aconteceu mesmo?”, responderei com toda a sinceridade que sim, aconteceu. É uma daquelas preciosidades que, de tão belas, parecem inventadas. Dizem que “a vida imita a arte, e a arte imita a vida”. Eu diria também que há diálogos que já nascem poesias perfeitas. Não acreditam? Então me deixem retomar a conversa entre mim e o meu pequeno grande leitor. Quando ele falou da fada, eu respondi, sorrindo:

— Verdade. As fadas entram pelas nossas janelas, não é?
— Sim. Se apoiam na luz do sol.

Verdadeiramente encantada com a resposta, eu digo:
— Sério? Que lindo. Você não gostou da janela fechada, não foi?
— Não… Não gosto de divisões de almas.


(Leia também: “ A inquilina ") 









 TEXTO: Elaine Regina Vaz 
INSTAGRAM: @elainereginavaz
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