Tocando a pele do vazio

“O vazio é o ponto exato em que o fim e o recomeço se interceptam.”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES


O vazio não é algo ruim por natureza. Mas é algo aterrador para a maioria das pessoas. E não se sabe ao certo o motivo. Talvez seja porque o ser humano tem a necessidade de sempre se sentir preenchido, ainda que por coisas medíocres, de valor raso.

Temos medo da imensidão tal como ela verdadeiramente é: vasta, profunda e assustadoramente vazia. Talvez o infinito nos intimide porque a sua grandeza nos cobre de forma tão absoluta que nos dissolve, e, aniquilados, vemos com clareza absurda o quão pequenos somos. É assim com as vastidões da natureza como o céu, o mar ou o abismo, e é assim também com as vastidões desconhecidas e inexatas que guardamos no próprio espírito.

É mais fácil preencher o nosso tempo e o nosso espaço interior com todo tipo de emaranhados e vestígios nulos, preencher com pessoas que não fazem questão alguma de nos ter na vida delas, com lembranças de um passado já desgastado, com amores que nunca nos trouxeram sequer um fio de plenitude ou uma carícia, ainda que breve, à nossa solidão mais crua e mais difícil de ser suportada.

É mais fácil preencher com sonhos que nem sequer sabemos se são nossos realmente ou se foram apenas direções jogadas por outros no nosso colo imaturo. É mais fácil preencher com os nossos medos, que, no fundo, imitam o jeito do algodão: libertos, ocupam muito espaço, mas, se apertados firmemente entre os dedos, curvam-se à força que exercemos conscientemente sobre eles e, humilhados, se recolhem.

Se algo que era bom saiu de nossas vidas, é porque, de algum modo, não cabia mais ali ou o seu tempo simplesmente passou. Não se devia lamentar a partida de algo que já cumpriu o seu papel e tentar manter o já deteriorado dentro de si por costume ou por apego.

Sentir-se vazio dói, porque nos dá a sensação de perda: havia tanto, mas agora não há nada. Só que esse tanto que havia antes, às vezes, morava na migalha; e esse nada, tão demonizado, não é apenas falta. É o receptáculo potencial para o novo, a sala limpa para a presença nova, para o jamais experimentado.

O vazio é o ponto exato em que o fim e o recomeço se interceptam. O vazio é a morte do ciclo anterior e o primeiro abrir de olhos do ciclo novo. No início, é aterrador, duro, inóspito. Eu sei. Mas é porque ainda não nos acostumamos à imensidão descerrada e ainda ouvimos os ecos dos passos antigos afastando-se. E ecos são sempre fantasmagóricos a uma criança que se vê sozinha.

Porém, quando o nosso ser acostuma-se, a sensação muda, como o olhar muda à medida que se familiariza com a escuridão. O espanto e o medo diminuem. Instala-se o silêncio. E então cresce a flor múltipla, de um milhão de pétalas, da possibilidade.

Temer a vastidão nua é puro engano. Voe. Porque todo voo só acontece no vazio.








 TEXTO: Elaine Regina Vaz 
INSTAGRAM: @elainereginavaz
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

Comentários

  1. Maravilhoso texto. Era o que eu precisa ler hoje, verdades.

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  2. Se cada pessoa tirasse um tempinho só para ler esse texto ou até mesmo só um parecido, veriam que muitas coisas na vida precisam de mudanças.
    Texto maravilhoso, parabéns.

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