“Quando alguém está cego em relação a si mesmo, passa a acreditar em muitas ‘verdades’ trazidas pelos outros a respeito de tudo”
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REVISTA VICEJAR – LITERATURA
Era um dia qualquer, ensolarado, como costumam ser os dias aqui em Salvador. Eu estava levando o meu sobrinho para o colégio, como de costume. Foi quando eu olhei para o lado esquerdo da rua e dei de cara com a porta de uma casa, aparentemente abandonada. Nela, havia as seguintes palavras: “Eu era cego, mas agora vejo”. A porta? Era verde. Os dizeres? Escritos num laranja gritante. Eu olhei aquilo e pensei: “Algum dia vou escrever uma crônica sobre isso”. E esse dia finalmente chegou.
Para quem não sabe, os tais dizeres são bíblicos (João 9:25). E talvez o autor (ou autora) em questão tenha querido apenas deixar a sua pregação gravada. Mas eu senti uma carga mais íntima na mensagem, senti que quem escreveu aquilo falava de si mesmo, muito provavelmente com relação ao seu lado espiritual. Ou, talvez, eu tenha percebido desse modo como uma espécie de premonição, já que a mensagem acabou se tornando íntima para mim.
Cegueiras da alma são tão sérias quanto a do corpo. Quando alguém está cego em relação a si mesmo, passa a acreditar em muitas “verdades” trazidas pelos outros a respeito de tudo. De si próprio, pouco há verdadeiramente nesse complexo de conjecturas alheias. Mas a pessoa toma esse monumento de outrem como todo coberto de espelhos: algo que reflete, de fato, algo que está ali, mesmo que esse “ali” se refira ao seu próprio Ser.
Eu já passei por isso. Cresci nas profundezas do reino do medo, e não devido tanto a traumas, mas a hábitos e crenças que colocaram em mim desde criança. E eu tomava tudo isso como o mundo real, o lugar ao qual eu pertencia. A pior parte de tudo isso não foi conviver com esse cenário, foi torná-lo substância da minha alma e passar a carregar essas paredes mofadas, emprestadas e absurdas para onde quer que eu fosse.
A verdade é que eu fui doutrinada a ter medo. E não pensem que esse era sempre o objetivo direto de tais pessoas, era apenas o jeito delas de lidar com a vida e o mundo. Elas não poderiam me passar nada diferente disso.
Só que eu, depois que as cicatrizes em mim se alargaram, comecei a questionar o que eu carregava na alma e me impedia de tentar ser feliz e mudar o horizonte que eu via. Descobri que nada me impedia, a não ser as palavras negativas semeadas pelos outros e que criaram raízes funestas.
Eu era cega, mas agora vejo. Agora percebo que muitos males da minha vida ocorreram porque eu assimilei tudo que não devia ter assimilado por parte dos que me rodeavam. E percebo isso com uma clareza tão assustadora que me pergunto hoje como é que não notei isso antes.
O rei foi deposto, eu enxerguei a origem de muitos dos meus muros e portões fechados. Mas agora chegou a hora de construir casas amplas, abertas e jardins imensos para acomodar cada sonho. E tudo com novos alicerces — dessa vez, a partir de quem eu sou.
TEXTO: Elaine Regina Vaz
INSTAGRAM: @elainereginavaz_______________________________________________________________
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