“Durante alguns minutos, não pensei em mais nada. Deixei a própria vida pensar e agir por mim.”
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Abri
meus olhos e me vi só. Observando-me estava apenas o relógio pendurado na
parede registrando a fugacidade do tempo. Mesmo possuída pelo sono e pela minha
preguiça diária, levantei-me.
_____No banheiro escovei meus dentes e lavei meu rosto. Sorri e o espelho estampou sem receio as marcas, que a idade sempre nos deixa.
_____Tempos depois, na
cozinha, tomei um gole de café na tentativa frustrada de enganar a fome. Eu
tinha fome de quê? Decidi então, espiar o mundo lá fora. Fazia um dia nublado,
o Sol tímido desapontava como um ponto opaco no céu.
_____Pássaros cantavam,
carros trafegavam, pessoas caminhavam. Até que de repente, senti uma vontade
súbita de caminhar pelo mundo. Vesti o meu melhor casaco, ganhei as ruas,
dobrei esquinas, subi e desci ladeiras. E no final, repousei meu corpo no banco
de uma praça. Crianças brincavam, idosos se divertiam jogando dominó, os galhos
das árvores balançavam de acordo com o ritmo do vento, pardais e rolinhas
bicavam mangas.
_____A crônica da vida
se desenhava para mim. Em cada rosto que me esquadrinhava, a cada buzina frenética
que ecoava pelos quatros cantos. Virei testemunha da vida e a vida também me
testemunhava. Durante alguns minutos, não pensei em mais nada. Deixei a própria
vida pensar e agir por mim.
_____A tarde se
aproximava e com ela uma repentina fome. Deixei a praça e atravessei uma rua.
Acomodei-me num botequim. Debruçada sobre o balcão, chamei o garçom e pedi um
copo de refrigerante e um sanduíche de presunto. E antes mesmo da primeira mordida,
resolvi folhear o jornal que estava ao meu lado, sobre o balcão.
_____Entre as notícias sangrentas e corruptas, eis que encontrei no canto da última página um texto, cujo seu título era “Crônica inacabada”, curiosa, assim iniciei minha leitura. O texto começava assim “Abri meus olhos e me vi só. Observando-me, estava apenas o relógio pendurado na parede...”
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