Meu amigo João

“Creio não ser o cobertor que o aquecia, mas sim o amor que exalava de suas poesias...”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

 

 

_____A cerca de cinco anos conheci um senhor por nome João, era de sorriso aberto e olhos de esperança, quase como quando tentamos tocar as estrelas com a ponta dos dedos, sabemos que não nos é possível mas, nossos olhos brilham na esperança que sim.

_____João vivia nas ruas de Lisboa, era um inverno rigoroso naquele ano, e notei que não trazia luvas e engelados estavam seus dedos. Quis oferecer-lhe um par, mas disse-me que trazia umas no bolso do casaco.

_____– Não as uso porque preciso escrever minhas poesias, com elas torna mais difícil manusear a caneta. Respondeu-me mostrando um velho caderno de apontamentos.

_____Era tudo o que restara naquele coração sonhador, as palavras de amor e esperança, ali em versos e estrofes, nem sempre com rima. Pois a vida também lhe havia trocado as voltas e os trocadilhos, mas ele sorria, sim sempre sorria.

_____Em uma de nossas muitas conversas, perguntei-lhe o que mais desejava naquele momento?

_____– Um café cheio e quente!

_____– O cheiro do café é como os muitos cheiros que trazem os turistas a perambular no Terreiro do Paço, juntamente com o cheiro que traz as águas do Tejo... sentimos e logo vai-se com a primeira brisa, fogem-nos.

Uma resposta adornada de poesia e de um sentir esmagador.

_____Nunca mais bebi um café da mesma forma, ou de qualquer forma, a simplicidade havia ganhado dimensão de uma maneira que fiquei encantada.

_____Quando me despedia do meu amigo João, meu coração se entristecia e meus olhos recusavam olhar para as estrelas; mas João ficava a sorrir, abraçado ao velho caderno de apontamentos.

_____Creio não ser o cobertor que o aquecia, mas sim o amor que exalava de suas poesias, e subindo as escadas da Gare do Oriente arriscava sempre um último olhar a ver meu amigo João. Ele acenava de longe e entre sussurros dizia:

_____– Eu fico bem!

_____Ofereci-lhe minha amizade, conversas ao findar da noite, jantar e café cheio e quente... Ele, ofereceu-me esperança e uma forma de sorrir de tudo, porque no fim sempre ficamos bem.

_____Recebi a tempos seu primeiro livro de poesias, João voltara para  Aveiro e se casou com uma boa senhora, diz sentir saudades do cheiro que só Lisboa tem, mas isso são agora outros versos.









 TEXTO: Flaviane Borges  
FACEBOOK: Depois-daqueles-dias 
Flaviane Borges Gomes, nascida aos 25 de setembro de 1981, em Dom Cavati, interior de Minas Gerais. Completou seus estudos na Escola Estadual Profa. Ilma de Lana Emerik Caldeira, em 1999. Despertou gosto pela escrita desde muito cedo, embora tenha um vasto material escrito, dentre poesias, frases filosóficas, textos e afins, o que fez por amor à escrita em seus momentos sós. Participou da Antologia "Arte em Poesia", pela Editora Sol. É autora da "Página depois daqueles dias", que leva o nome do seu primeiro livro a ser publicado em breve. Hoje luso-brasileira, reside em Portugal, onde continua sua jornada no mundo da escrita.
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