“A vida é o aglomerado de tudo, de tudo que nos foi tirado, da liberdade revogada, dos sonhos adormecidos...”
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Correm-se tempos cinzentos. Como se as nuvens pintassem o azul do céu nesse cinza escuro, e da cor suave que embeleza os dias, pouco se vê nos dias que se correm. Há também um estranho silêncio no universo, e nos é possível ouvir as batidas dos corações acelerados e ansiosos.
_____A prisão de nossos passos, ecoados apenas no corredor, que nos leva da sala à cozinha, do quarto à sacada, onde nossos olhos pousam sob cinzentas nuvens. A terra continua a girar, mas agora, tal rotina dá-nos voltas à cabeça, e tememos o sentido da vida na imensidão do caos.
_____Do café da esquina, resta a saudade de uma deliciosa prosa, das risadas dos amigos a acharem graça de nossas piadas sem graça nenhuma.
_____Os passeios à beira do Tejo, em que desconhecidos se misturam ao frescor do vento, todos espalhados na areia, proseando cada um em sua língua. As diferentes línguas, cultura e costumes nunca foram uma barreira imposta, mas algo além, assim veio construir esse muro de concreto acinzentado.
_____Da sacada avisto ao longe alguém comprar um café ao postigo, e solitariamente desce a rua na companhia da bebida quente, envolvente e atraente em todo mundo. Dantes era o convite preferido de todos.
_____– O amigo deseja beber um café logo à tarde?
_____– Se me desses a oportunidade de beber um cafezinho contigo, poderíamos nos conhecer melhor!
_____– Marcamos um café e tratamos dos negócios, o que acha?
_____– Saberia-me tão bem um café!
_____– Então, sempre bebemos aquele café?
_____A vida é a deliciosa rotina entre um cafezinho e outro. Não a fria imagem da máquina de cápsulas sobre o mármore da cozinha, onde por companhia o som da torradeira dá-nos o bom dia, a vida é mais que isso. A vida é o aglomerado de tudo, de tudo que nos foi tirado, da liberdade revogada, dos sonhos adormecidos, dos passos acelerados e contínuos.
_____E do alto da sacada, caindo o entardecer despeço-me das cinzentas nuvens que descoloriu o dia. Já quase não se ouve passos nas calçadas, e o café da esquina fechou a estreita porta, antes aberta.
_____Ao longe um pequeno barco pesqueiro atravessa solitário as águas do Tejo. Eu olho para os céus com olhos de esperança e, numa prece sentida, faço meu desejo ao Criador do universo, como um segredo entre Ele e eu.
_____Redobro minha atenção para olhar uma derradeira vez para o pequeno barco pesqueiro que passa. Este, ao longe, de certo que não me vê... mas acende uma pequena luz azul neon. Se ouve a minha prece o Criador, creio ser por esse sinal de luz, vinda daquele solitário pescador.
Adorei o texto, uma leitura deliciosa! Parabéns Flaviane Borges! Bjinhos
ResponderExcluir