A palavra se faz em cada coração esperança, rostos erguidos solenemente em aceitação, força e perseverança. Assim somos nós, o povo de Alqueidão.
REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES
_____Abro a janela de vidraças reluzentes recentemente limpas com jornal. A parede caiada de branco as sustém, embelezadas pelas cortinas de linho bordadas, que suspensas começam a dançar ao ritmo da brisa que por elas entra.
_____A minha vista alcança ao longe a igreja de Stº. António no cimo da escadaria, imponente, e a fachada tradicional com a rosácea que estiliza a cruz de Cristo, decorada com folhas de palmeira e fitas coloridas que atravessam o adro.
_____Lá dentro, Santo Amaro, Nossa Sra. Da Conceição e Santo António velam do alto do pedestal por nós, seu povo, que hoje lhes fará homenagem em procissão.
_____O sino toca, a cerimónia irá dar início. Religiosamente, o silêncio impera. A palavra se faz em cada coração, esperança. Os rostos erguidos solenemente em aceitação, força e perseverança. Assim somos nós, o povo de Alqueidão.
_____Quase terminando a cerimónia, pedem-se voluntários para vestir as opas vermelhas. Serão estes os guardiões que em ombros sustentarão os Santos que sairão por momentos do altar.
_____As bandeiras, a cruz e os candeeiros abrem caminho, precedendo os santos e o pároco protegido debaixo do palio. Nossa Senhora da Saúde também acompanha, já Stº. António a tinha ido buscar à capela. A banda toca, desfilando coordenada notas pelo ar, e o povo segue.
_____A colcha mais bela de cada lar é deposta à janela honrando sua passagem. O chão, atapetado de flores, liberta a sua essência ao ser palmilhado pelos fiéis.
_____Gerações de mão dada seguem este ritual, ano após ano, lhes transmitem suas memórias, ensinamentos e procedimentos. E tudo continuará a ser, como sempre foi. O sangue novo alimentará as tradições e as honrará, traz em si os genes de quem lutou, cultivou, e fez florescer a terra.
_____De volta à igreja, termina a cerimónia. Abrem a quermesse, as crianças acodem aos pais em busca de moedas. Os adultos as acompanham. Loiças, brinquedos, livros e bijutarias adornam as mãos dos convivas, que se agrupam junto aos balcões dos bares, de telhados cobertos de ramas de eucalipto, montados no largo do lugar.
_____As vozes e os risos se libertam. Tal como as saudades, dos filhos e netos da terra, imigrados ou migrados para as cidades, mas que religiosamente voltam às suas raízes, sedentos desta união que os seus lhes trazem.
_____Mais tarde, o largo servirá de palco para a banda. Novos, menos novos, da terra e de outras terras, se juntarão para a ouvir. E tantas estórias de amor aqui começaram, com um - "A menina aceita dançar? ".
_____Puxa-se a corda, solteiros, casados, homens, mulheres mostram sua garra. À tarde já se fizeram jogos para as crianças. Noutro tempo se faziam garraiadas, tiro ao prato e até se disputava o bacalhau no alto de um pau no centro do largo.
_____A madrugada vai alta, regresso a casa. A avó deixou a chave na porta, e a luz da rua acesa, para nos guiar.
_____Deito-me sobre a colcha acetinada com cheiro a lavado, ao fundo na parede Cristo na sua cruz me protege. Ouço as cigarras lá fora, e ainda algumas vozes animadas, caminhando de regresso a casa.
_____A festa terminou por hoje, cada um voltará à sua vida, suas rotinas. Mas como eu, sei que levará no coração sua terra, Alqueidão.
TEXTO: Ana Acto
FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto
Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas.
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