“Estou cercado de palavras, porém, não me sinto disposto para convidá-las a ingressarem no meu conto.”
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Um conto para escrever. Personagens a serem criados. Palavras para cativar. No entanto, minha mente apenas flutua. Acendo um cigarro, inspiro um pouco de ar que ainda me resta. No computador, a tela em branco. Passeio meus dedos entre as suas teclas, folheio dicionários, afago os cabelos. Meu gato, sobre o peitoril da janela, esquadrinha-me. Tento acariciá-lo e sua reciprocidade enobrece o meu coração. Diante de nós dois, a cidade e as suas luzes iluminam as ruas desamparadas. Vozes longínquas ecoam em meus ouvidos. No céu, um avião se esconde entre as nuvens ruborizadas. Gostaria de vê-lo novamente, mas é tarde, ele já foge para seu horizonte.
_____Uma lufada de vento aviva minha alma. Sinto-me inquieto e o meu gato eriça os pelos. Estamos vivenciando a solitude noturna. E, de certa forma, somos companheiros um do outro. Parece que estamos conhecendo as angústias que nos redimem nesta noite. Estou cercado de palavras, porém, não me sinto disposto para convidá-las a ingressarem no meu conto. Devo obrigá-las? Devo subjugá-las? Não sei...
_____Um conto para escrever. Agora, o gato sentado no meu colo acompanha os movimentos desenfreados dos meus dedos, sobre as teclas do computador. Seus olhos esbugalhados e as pupilas dilatadas me deixam eufórico. Escrevo, penso, penso, escrevo!
_____A noite se alonga, fantasmas me abraçam. Sinto um calafrio. Escrevo, penso, penso, escrevo! Palavras tomam posse do espaço em branco da folha. Escrevo, penso, penso, escrevo! Sinto-me cansado, meus olhos ofuscados sentem um imensurável desejo em dizer adeus. Não, ainda é cedo, preciso terminar este conto. Antes que as sílabas formadoras das minhas palavras morram e desapareçam junto com o meu coração...
_____O escritor desperta, os raios de sol que penetram pelas venezianas iluminam a cama como fogo. Contrito, ele se levanta, segue em passos curtos, esfrega os olhos, boceja, tenta se dirigir ao banheiro, mas de repente, algo inesperado acontece. O gato, debruçado sobre o teclado do computador, digita: escrevo, penso, penso, escrevo!
Muito interessante a forma como expressa a sua incerteza, o vazio que preenche o seu pensamento, o desejo de dar vida a palavras por nascer, essa vontade que a impele a criar personagens, inventar uma história, a partir do nada.
ResponderExcluirA alma do escritor é sempre um mundo pantanoso de onde as sombras emergem e se tornam reais.
Gostei.
Olá!
ResponderExcluirMuita grata pela sua leitura e comentário!
Abraços poéticos!
Mayanna Velame