“São as cores do silêncio que nos tocam ao sentirmos a brisa, disfarçada de pássaro, a conduzir-nos o pensamento a todas as distâncias possíveis.”
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Descobri o Paulo Cesar Paschoalini há uns tempos atrás. E digo descobri porque, de facto, nunca o conheci. Nunca nos vimos, melhor dizendo, para definir a conotação mais leve da palavra “conhecer”, pois que o conhecimento de alguém só é suscetível de se concretizar pela via da convivência ou, talvez, pela veia sensível do poeta. E se, por um lado, com a distância física de um oceano a separar-nos, o espaço permanece desde logo fora de questão, por outro, nem eu nem o Paulo Cesar nos definimos propriamente como poetas. Como ele próprio o diz, “sou apenas um sujeito que se deixa dominar por um determinado número de palavras”. E com ele concordo no que a mim me diz respeito.
_____Mas o certo é que, por vezes, nos basta apenas o descobrir, para compreender que pelos quatro cantos do mundo existem pessoas que, como as flores deste não-poeta, “ganham mais vida depois de admiradas pelos nossos olhos”. É que, pela proximidade que fui encontrando através das suas palavras, percebi neste ‘amigo virtual’ a mesma apetência por tudo aquilo que é o essencial da vida. A mesma leveza com que capta nos pequenos detalhes do quotidiano, o belo e mágico das entrelinhas que nos circundam, mas também as feridas e os absurdos dos tempos que nos esmagam a fé. Terá sido, porventura, pela concordância da rima neste sentir dos cenários do mundo e de um olhar de entusiasmo sempre novo de quem, em cada instante, renasce para a vida, que um dia o desafiei a contar(-me)-nos o que entenderia ele como sendo “As Cores do Silêncio”.
_____Acredito que o Paulo Cesar possa considerar ainda não ter tido a disponibilidade desejada para dar voz à proposta. Mas, eventualmente, não saiba que acabaria por fazê-lo recentemente.
“Olhando essa linda fotografia, acabei escrevendo isso:
As aves pairavam na luz,
realçando os tons do arrebol.
O bailado dourado seduz,
feito escalas aladas do sol.”
_____Ali, a simplicidade breve e linda do seu comentário. Como se fosse legenda a captar a essência daquele momento de contemplação por mim registado em fotografia (no areal de uma pequena praia de Portugal, cujo nome aqui não traduzirá o enlevo do local; nem sempre ‘beleza’ tem que rimar com ‘grandeza’). E nessas palavras o toque da emoção, fruto do olhar que conseguiu em partilha escutar tão bem, afinal, as cores do silêncio...
_____Por isso hoje, neste texto, expresso o meu apreço ao Paulo Cesar, dando continuação ao repto que eu mesma lhe havia, antes, feito. E, desta forma, continuo viagem a partir desses acordes de mar e céu banhados, aqui, pela luz do meu outono dourado por gaivotas. Nesse silêncio que, como ele tão bem aponta, é preciso “para escrever aquilo que se quer gritar ao mundo”.
_____São as cores do silêncio que encontramos quando temos vontade de envolver o coração no nosso próprio abraço. Nelas, o sol se faz manhã em cada tecla de luz que entra, de mansinho, pelas frestas da persiana caída do quarto, a seduzir-nos o olhar. E esse ouro das vidraças acorda, tranquilo, a combinar tão bem com as emoções do dia. Quando as paredes murmuram baixinho que só precisamos de um ninho para nos aconchegar. E, de repente, a pele se levanta nos gestos sem toque que nos sabem àquela melodia da canção que nos fascina.
_____São as cores do silêncio que escutamos quando a música é pronúncia sem palavra a (de)cifrar a quietude dos instantes que nos falam. Ou quando roubamos uma fatia da imensidão azul para oferecer ao mar. Ou ainda, com os dedos soltos, pegamos numa lágrima e com ela pintamos a areia fina da praia debaixo dos pés.
_____São as cores do silêncio que nos tocam ao sentirmos a brisa, disfarçada de pássaro, a conduzir-nos o pensamento a todas as distâncias possíveis. Quando ouvimos aquele poema que dissemos num repente, inspirado nas saudades longas dos afetos que, um dia, nos mataram os vazios da solidão. E neles, descobrimos o segredo doce dos abraços feitos de encontros a abrir-nos as portas para entrarmos, sem promessa de saída. Ou quando pedimos ao vento que nos cante as lembranças que agasalham a mágoa dos que vimos partir e, com a alma ferida em sofrimento, fazemos da oração um destino à nossa espera e entoamos a prece que os guia de volta a nós.
_____São as cores do silêncio que nos envolvem quando nos entregamos à paixão apenas por um dia e, sem querer, dela nos perdemos sem saber que, afinal, o amor existia. E, enquanto sereno cai o gelo do anoitecer, a cintilar no frio do corpo adormecido, a noite acontece com veste de estrela para nos aquecer o sono que nos povoa de inverno.
_____E, por vezes, tantas vezes, as cores do silêncio são as cores do tempo em que o tempo nos sorri. As cores de um tempo sem pressa em que pedimos ao tempo que volte para nos visitar. E os sentimentos, de mãos às avessas com a razão, nos transportam assim, com branda quietude, por um mergulho da alma a recordar as cores das nossas memórias.
_____Felizmente, Paulo Cesar, ambos acreditamos que…
“Todas as coisas que existem,
mesmo as tidas como eternas,
mais dia, menos dia, passarão...
Contudo, as que forem ternas,
muito mais tempo ficarão!”
_____Como as cores do silêncio.
TEXTO: Paula Freire
FACEBOOK: https://www.facebook.com/su.lima834
Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras poéticas lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021. Há alguns anos, descobriu-se no seu ‘amor’ pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
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