“Assim devia ser o ser humano, aceitar o próximo com suas virtudes, características, atributos...”
REVISTA VICEJAR – LITERATURA
_____Sentada na minha varanda, olhava para o terreno do outro lado do muro de minha casa. Baldio, abandonado.
_____As ervas crescem ao abandono dizem... já eu, digo, livremente. Uma mistura de espécies o povoa, de diferentes tamanhos, formas, cheiros e cores. E enquanto o olhava, pensava...
_____Eu, ali sentada, no meu canto feito de betão e tijolo, decorado com belos vasos coloridos, albergando flores, semeadas, escolhidas, belas e uniformes. Opostos... E me indagava:
_____Serão estas, mais belas que as rebeldes? Terão outro valor porque foram semeadas, desejadas, podadas em seu rigor? A quem é dado o poder de decisão sobre o seu valor, a sua beleza, a sua vulgaridade ou inutilidade...?
_____O que vemos como ervas daninhas (porque assim nos dizem), são tantas vezes ervas silvestres de grande benefícios. Quem decide quais devem prevalecer no canteiro ou devem ser arrancadas, despojadas, como se fossem intrusas ou pragas ?
_____Olho para os trevos, imensos, espalhados sem condição. Dizem que achar um de quatro folhas dá sorte, porque é raro o encontrar. E no entanto, assim o é por imperfeição. (Como se algo da natureza o pudesse ser...)
_____E há quem os passe a vida a procurar, e não valorize os de três que embelezam o seu jardim, e nunca os encontram... Mas acredito que haverá sempre quem se sinta imensamente afortunado com os de três, lhes baste, simplesmente assim.
_____Olho para o terreno baldio do outro lado. Outra vida tão diferente desta. Um muro divide estes dois mundos, um criado por mãos humanas, outro livre à luz do criador. E me sinto culpada, ao olhá-lo. Por mim e por todos que o devastam, julgam ou criticam.
_____Olho para o meu canteiro, e entre de minhas rosas, tulipas e narcisos, florescem dentes de leão, que colho e sopro como fazia em menina, vendo suas partículas voarem como pequenas fadas. Crescem urtigas, que uso para chá e de outras formas medicinais...
_____E trevos, imensos trevos de três folhas, e quem sabe entre eles algum de quatro, que não faço questão de procurar, porque sou abençoada com os que decidirem me presentear .
_____Assim devia ser o ser humano, aceitar o próximo com suas virtudes, características, atributos... Como parte de um todo, como igual. Afinal, todos florescemos sob o mesmo sol...
TREVO DE TRÊS FOLHAS
Depus esperanças em sonhos vadios
Reguei flores, em vasos despidos
Palmilhei caminhos, cansados de serem trilhados
Nas águas, o mesmo trago salubre
No horizonte, o mesmo destino…
Não espero da vida, um rasgo de sorte
Nem do amor, o vento do norte
Em verdade, cada percalço me aligeirou
Sem má fé, a vontade
E que mais não me seja
Já assim me conforto
Como trevo de três folhas
Não cobiçado, mas inteiro
Intacta, em meu canteiro
TEXTO: Ana Acto
FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto
Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas.
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