“Segue uma rotina diária impecável, tanto faz estar sol ou de chuva, seja primavera ou inverno...”
_____O Senhor Joaquim é o nosso vizinho do terceiro B, um velhote pequenino e muito sorridente. Vive sozinho desde sempre, mas é como se tivesse o mundo todo dentro de si. Passa os dias a cantarolar, canções que ele mesmo inventa, sem começo nem fim, sem rima e sempre no mesmo ritmo.
_____Segue uma rotina diária impecável, tanto faz estar sol ou de chuva, seja primavera ou inverno, lá vai ele logo pela manhã... a cantarolar rua abaixo, com seu saquinho de rações, uma garrafa de água fresca para dar de comer e beber aos gatinhos que aparecem sempre ao lado do contentor.
_____Todos os dias, ao passar em frente à casa de Dona Judite, pergunta-lhe:
_____– A querida vizinha quer que lhe traga um pãozinho
fresco da padaria?
_____– Ela rabugenta como é, desde
sempre, responde num tom áspero:
_____– Quando é que te calas, que já nem o posso ouvir, velho maluco!
_____Ele, com um sorriso rasgado responde:
_____– Fico feliz que gostes das minhas canções, só por causa disso vou lhe trazer um croissant de chocolate quentinho.
_____Bem, eu fico aqui a pensar com meus botões, ou o Senhor Joaquim é um tanto surdo ou faz ouvidos de tolo. Certo que não vive neste mundo, deve ter um mundo particular para viver, e admiro convidar Dona Judite para adentrar tal particularidade.
_____E é assim todos os dias, aquele momento em que paro para admirar e tentar perceber a vida daquele pequeno velhote por nome Joaquim. A regar as flores que encontra pelo caminho, dar de comer e beber e ainda cantar para os gatinhos, e sorrir cada vez que Dona Judite lhe apedreja com palavrões.
_____E chego ao fim desses meus pensamentos, não
percebendo se o mundo em que vivemos é o mesmo do Senhor
Joaquim. Penso que não, nunca poderia ser!
_____Porque ele não é gente como a gente, e nem nós gente como ele. Até em silêncio esse nosso mundo se zanga com tudo e todos. Porque as canções, embora com letras bem elaboradas e seus intérpretes brilhantes, faz-nos sentir uma emoção momentânea, depois passa tão apressadamente quanto um comboio seguindo viagem.
_____E quem dentre nós, havemos de oferecer um sorriso
rasgado e um croissant de chocolate quentinho às Donas Judites que
nos aparecem diariamente?
_____Com um pouquinho de humanidade ainda vamos precisar
parar para compreender que talvez nas letras sem sentido do Senhor Joaquim, ele
esteja dando um recado ao mundo, e que de maluco não tenha ele nada...
_____Malucos somos nós, por termos a coragem de
viver tão aborrecidamente com os Joaquins que a vida nos permite
conhecer. Tolos somos nós, que damos ouvidos às palavras negativas,
ao invés de sorrir e seguir a caminhada cantarolando.
_____É, Senhor Joaquim, talvez eu esteja a começar
a perceber-te...
_____Talvez ainda haja tempo para nós, amarmos
todas as Judites...
_____E quem sabe compor uma canção nova para esse nosso mundo!
_____Enquanto isso, deixo-te o meu muito obrigada Senhor
Joaquim desde sempre!
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