O livro temido

“As coisas mais importantes não abriram mão do ritmo das árvores, que, mesmo adultas, não se afobam diante do vento.” 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 



_____Eu nunca vi a paciência. Mas eu já vi alguns dos seus pontos finais. Se ela fosse uma escritora, não seria das mais apreciadas. Desejar o desfecho prematuro dos livros dela seria praticamente uma obrigação básica de cada leitor. As suas obras seriam temidas e se amontoariam, resignadas, nas livrarias, formando réplicas quase perfeitas do monte Everest. Isso se alguma editora tivesse disposição e coragem para publicar livros comprovadamente monótonos, cansativos, difíceis.

_____Vamos lá. Pensemos um pouco e sejamos realistas. Se a paciência escrevesse um livro, quantas pessoas o leriam? Provavelmente nenhuma. Porque ninguém gosta de embrulhar o que mais deseja em camadas e mais camadas de espera. E o que a paciência nos ensina é justamente como fazer — ou suportar fazer — isso. 

_____Com o século XXI, veio o abandono do tempo do fruto. Esquecemos realmente que semente não tem cortina ou zíper que, ao serem abertos, cospem instantaneamente a árvore pronta.

_____Eu sei que a Era da Informação, em que dados e encontros são arranjados a uma velocidade vertiginosa, nos tornou adeptos naturais do instantâneo. Tudo é rápido, tudo tem que ser rápido. Qualquer demora é sinônimo de ineficiência e erro. 

_____Não me levem a mal. É claro que eu acho fantástico poder anular milhares de quilômetros de distância com o abrir de uma tela. É claro que eu gosto de realizar tarefas através de um simples toque ou clique. A tecnologia é a lâmpada mágica do Aladim dos nossos dias. Só que mesmo a tecnologia não mudou uma coisa: nem tudo na vida responde “sim, mestre” ao estalar dos nossos dedos. 

_____As coisas mais importantes não abriram mão do ritmo das árvores, que, mesmo adultas, não se afobam diante do vento. Nenhuma gestação realmente valiosa é completa em segundos. Filhos, livros, projetos, relacionamentos. Todos eles se afinam mais com o tempo do vinho do que com o tempo do dardo. Chegar ao alvo na vida muitas vezes requer, além de persistência e determinação, a leitura de determinado livro... O livro rejeitado, o livro temido da paciência.









 TEXTO: Elaine Regina Vaz 
INSTAGRAM: @elainereginavaz 
Elaine Regina Vaz é escritora, revisora e formada em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Bahia. Escreveu seu primeiro poema aos 10 anos de idade. Mas só a partir de 2011 começou a se dedicar mais seriamente à poesia. Em 2019, volta a atuar como poeta de forma mais sólida e divulga seu trabalho em mídias sociais, além de começar a maturar contos e crônicas. 
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade. 

             
                       

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