Amo(-te)

“Amo esta franqueza cúmplice isenta de mágoas onde preferimos deitar-nos, com a proximidade compreensiva de quem já alcançou a lição superior da sabedoria.” 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 



_____Amo. 

_____Amo essa coisa fabulosa que escuto de nós nas páginas do livro que escrevemos juntos. O contorno dos dias que persistem amargos mas que não deixamos tremer porque, com os olhos húmidos de força, empurramo-los contra as paredes dos espaços e fragmentamo-los como cascas secas por cima das raízes que soltam as escuridões. 

_____Amo os instantes espantosos que faltam ao coração do mundo e que, juntos, tornamos ambiciosos. Deles fazemos segundos, vestidos com a essência de um milagre. O que os outros desconhecem por nunca se terem descoberto no mergulho pleno das coisas simples. 

_____Temos dedos que são ternura aconchegante na neve fria que o passado nos deixou. 

_____Por que haveríamos de chorar se todos os abraços que damos aquecem o sangue dessa alma que nos pertence? 

_____Por isso nos rimos, tantas vezes, nos dias de cor que são escuro vazio lá fora. 

_____Amo esta franqueza cúmplice isenta de mágoas onde preferimos deitar-nos, com a proximidade compreensiva de quem já alcançou a lição superior da sabedoria. 

_____E amo ainda o silêncio de uma tarde adormecida quando o fogo não arde no corpo. A sombra do mar a guardar conchas desertas sobre a palma das nossas mãos. Tão surdas de beleza! Mudas daqueles versos a que só o olhar consegue dar voz. Porque também há silêncios assim, ancorados no peito, nus, que nos respiram fundo, que nos levam longe, com os olhos inundados de gritos inconfessados. 

_____Sabemo-nos e não julgamos: cada um tem em si um mundo inviolável e uma casa única feita de muitas páginas, que se arrastam no compasso do tempo. 

_____Compreendemos e não precisamos de desvendar. Afinal, somos felizes agora com tudo o que nos beija os sonhos. Partilhamos o caminho descalço sobre os ombros da vida, na rejeição do tanto que não nos tenha sabor. Só para não corromper a definição delicada do que chamamos, hoje, de felicidade. 

_____Sim, meu amor, amo a sedução da valsa que dançamos em uníssono como uma memória viva de um sol antigo que não entendemos. 

_____Talvez o sorriso nos conte, um dia, que são apenas detalhes invisíveis de uma formidável repetição recriada pelo infinito e pela indelével fragrância que perdura além do impossível. 

_____Amo-te.


 TEXTO: Paula Freire 

FACEBOOK: Flor De Lyz - Poesia & Fotografia 

Paula Freire é natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras poéticas lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021. É também desta editora o livro de poesia de sua autoria, "Lírio: Flor-de-Lis" (2022). Há alguns anos, descobriu-se no seu ‘amor’ pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, tendo organizado uma exposição com trabalhos seus, na cidade do Porto (a convite da Casa da Beira Alta), em setembro de 2022, sob o título: "Um Outono no Feminino: De Amor e de ser Mulher". 

_______________________________________________________________

A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                                              

Comentários