“Tentei me distrair com outras coisas. Lá na frente, três rapazinhos discutiam em quais poltronas iriam sentar."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Fui assistir The Flash. Sim, o cronista gosta de filmes de super-heróis, e acredita que a vida na telona e nos quadrinhos é mais atraente. E turbulenta: a cada minuto um prédio desaba, hidrantes explodem, aliens invadem nosso planeta, vírus mortais estão prestes a se espalhar, jovens indefesas caem de janelas... Fascinante!
_____O sábado enregelante pedia um cineminha. Passei a mão no moletom e no cartão de crédito, chamei o Uber.
_____Peguei a sessão do iniciozinho da tarde: tenho notado que a molecada costuma ir lá pras três, quatro e pouca... E, sinceramente, não ando com a mínima paciência para os risinhos e piadinhas de adolescentes chatos que vão ao cinema para tudo, menos assistir ao filme. Por essas e outras insisto em viver no universo dos super-heróis. Entre conviver com moleques mal-educados, escandalosos e marmoteiros, prefiro perambular pela mansão Wayne, contemplar a paisagem da sacada do Edifício Baxter, viajar sem destino no aeroporta-aviões da Shield, dar um rolê no batmóvel ou um pulinho em Asgard e, quem sabe, encerrar o dia na piscina da Torre Titã desfrutando da companhia de Donna Troy e Estelar... Como diria o outro: sonhar não custa nada.
_____Entrei na fila. Parou um casalzinho ao meu lado. A moça apontou os cartazes, disse para o sujeito que segurava sua cintura: “mô, eu queria ver o Flash”. Dei uma olhadinha de soslaio, para me certificar que não eram aborrecentes enjoados e sem noção. Felizmente, não eram: ela, jaqueta de moletom e calça jeans coladinha, aparentava uns vinte e poucos; ele, parecia ter mais de trinta, barba malfeita, boné, bermuda, camiseta regata. “Deve ser pra mostrar os braços sarados e tatuados... Enquanto isso, eu aqui, morrendo de frio, nessa fila que parece uma mula empacada.” O cara juntou ainda mais a cintura da moça, como se algum pérfido vilão das redondezas intencionasse raptá-la. Tentei me distrair com outras coisas. Lá na frente, três rapazinhos discutiam em quais poltronas iriam sentar.
_____Súbito, ouço a voz do marombado. “Pô, o Superman virou mulher... até nisso os cara foram mexer. Fuderam com tudo. Num vô ver essa merda, não!”. Sem me conter, virei a cabeça feito aquela menina do Exorcista. Indignado, ele continuava a apontar o dedo grosso para o cartaz. Deu vontade de falar como o Chaves: “ai, que burro, dá zero pra ele!” E, confesso, minha língua coçou para explicar que no pôster estava a Supergirl (bem diferente da moça da série e dos desenhos, concordo) e não um Superman-trans, ou travesti, ou sei lá qual a palavra que voejou na cabeça daquele brucutu.
_____ “Bora ver outra coisa, ou fazer um lanche!”, ele sentenciou, de forma gutural. Lembrei da Dona Leni, minha vizinha que vivia sentada na calçada maldizendo a vizinhança e enaltecendo o filhão: “Grosso, sim, mas macho. E, com a graça de Deus, não virou veadinho como uns e outros que zanzam por aí.”
_____O arremedo de Fred Flintstone saiu puxando a moça pelo braço. “Volta pra Bedrock, troço!”, resmunguei, dando um passo à frente. Os rapazinhos, enfim, deixaram a fila andar.
_____O filme, em minha modesta avaliação, é espetacular. Sobretudo porque mirou e acertou em cheio no meu peito nostálgico: rever Michael Keaton no uniforme de Batman, trinta anos depois do último filme... foi impagável! É pra deixar o queixo de qualquer saudosista caído durante toda a sessão. E ainda ouvir, a cada aparição do Homem-Morcego, a trilha que marcou minha meninice... oh, indescritível emoção! Cresci assistindo o Batman interpretado por Keaton, então, me perdoem as novas gerações (se é que me leem) mas, para mim, ele é único. Assim como Christopher Reeve é o eterno e inesquecível Super-Homem. Ponto final.
_____Mas, voltando ao protagonista (do filme, não da crônica): Flash (Ezra Miller) é divertido, agradável, convincente. Aplausos ao jovem ator que, confesso, não me agradou quando vestiu este mesmo traje no filme da Liga da Justiça. Agora, me parece, ele pegou o jeitão do Velocista Escarlate.
_____Lá pelas tantas (palavra de escoteiro: não darei mais spoilers), Barry Allen/Flash aparece sem roupa. Nuinho em pelo no meio da rua caótica. Não sei o que acontece em Hollywood mas, vira-e-mexe, deixam os heróis assim na telona. Outro dia foi o Thor... a diferença agora é – me perdoem o trocadilho – o Thor de Chris Hemswort tem um corpo divinal. O que o garoto, que na verdade nem é tão garoto, que protagoniza The Flash não tem. Ou vai ver tem, a julgar pela empolgação do rapazinho à minha frente que ajeitou os óculos e, numa voz esganiçada demais pro meu gosto, perguntou ao que estava do seu lado: “sério que ele tá mesmo peladão?” Daí pra frente, empertigado na poltrona, esqueceu o celular e o pacote de biscoito que me irritava.
_____Quando os créditos rolavam, ouvi uma moça, ar de superioridade, explicar à companheira: “antigamente não tinha muito isso de direitos autorais, então, acaba que todo mundo escreve sobre o Batman e coloca ele em qualquer filme.” Sem entender patavina, resmunguei: “mais irritantes que os adolescentes, só esses palestrinhas.” E, convenhamos, o que mais tem nas sessões de cinema é gente dando palestra: “no livro não é assim; ah, nos quadrinhos é bem diferente; melhor tivessem feito igual ao desenho...” Essa gente chata devia ser banida pra Krypton, ou passar o resto da vida encarcerada em Belle Reve.
_____Tomei o restinho do meu refrigerante, juntei o saco de pipoca cheio de piruá, saí feito o Ligeirinho.
_____Se eu fosse aquele bonequinho d’O Globo, levantaria e bateria muitas palmas ao final da sessão. Como não sou, tencionei escrever uma resenha, todavia, acabei enveredando por outros assuntos e tergiversando, como sempre.
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