Colher tâmaras

“Não seria esse o segredo de todos nós em nossa trajectória de vida, cultivar cada semente que é plantada nos jardins de nossa vida?" 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônicas ) 

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_____É verão, todos anseiam por andarem nas ruas, a sentir o calor que bem ronda os 38 graus. Quando em vez uma brisa toca-lhes a face e um doce sorriso dá o ar da graça. Os dias de verão têm seus encantos, eu cá sou amante do inverno, dos dias cinzentos que a mim fazem sorrir tão quanto o sol que trazem esses sorrisos nos rostos que encontro pelas ruas do Alentejo.

_____As esplanadas estão cheias, todos comem e bebem com prazer. Os rapazes comentam sobre a bola, as mocinhas dão gargalhadas a olharem o tik tok e os memes que escondem as chatices da vida de um adolescente. As crianças saboreiam o gelado e correm sobre o relvado do jardim da praça, as donas de casa trocam receitas ou comentam sobre a dura tarefa de conciliar a vida e sua corrida pelo tempo que nunca chega para tudo.

_____Ao fundo, na última  mesa debaixo de um limoeiro plantado junto ao jardim na esplanada, está  um casal de velhinhos, já com muita idade. Ele, lúcido  e bem disposto, ela já  debilitada e parece sofrer do mal de alzheimer. Mas ele com toda mansidão e amor, fala-lhe do tempo, da brisa, das cores que tem a vida e da ternura de apreciar sua beleza como nos tempos idos.

_____Interessante  como tudo é  envolto no tempo, e como esse passa apressadamente nos dias de hoje. Escorre entre os dedos, tem a força de um pensamento em fúria e a inquietude de um coração apaixonado. 

_____As crianças  correm, os rapazes  discutem a bola, as mocinhas se entretém, as donas de casa descansam seu momento de paz... mas aquele casal paira no tempo presente, ele a contemplar a  beleza da alma que resta no rosto de sua amada. Ela, tal qual alguém que sonha em outro universo, permanece serena e  de olhos postos no horizonte do fim da rua.

_____O limoeiro está  carregado por seus belos frutos, tão amarelos quanto o sol, e logo me vem à mente, tâmaras. São frutos totalmente diferentes, mas ao olhar para o casal e o limoeiro, penso em tâmaras e no poder do tempo e o vigor de uma bela alma.

_____Há um ditado árabe que diz: “Quem planta tâmaras não  colhe tâmaras”, bem sabemos que as tamareiras levavam de oitenta a cem anos para produzir os primeiros  frutos. Hoje em dia esse tempo pode ser reduzido com as novas técnicas, mas concentremos em seu tempo real de vida.

_____Aquele homem, plantou o amor há tantos anos quanto alguém que plantou a semente de tâmaras, pacientemente tem regado e cuidado a cada dia de todos esses anos. Tanto ele, quanto sua amada cultivaram essa semente, sem se importar com o tempo dos frutos, mas saboreando apenas a dádiva do cultivo, do crescimento e da formosura de suas folhagens.

_____Não  seria esse o segredo de todos nós em nossa trajectória de vida, cultivar cada semente que é plantada ou lançada no jardins de nossa vida? Sem a pressa que o amor dê  logo frutos num tempo prematuro, ou que a amizade brote num fim de semana, sem qualidade ou sabor.

_____Que a tamareira leva um longo tempo a dar o ar de seus frutos é  verdade, mas tão nobre e sábio é seu ensinamento e que bela lição nos deixa, de humildade e perseverança, de poder sobre o tempo e respeito a tudo que se faz breve.

_____Aquele limoeiro foi hoje para mim uma tamareira, e aquele casal tão singelo e puro, as tâmaras em seu esplendor a desabrochar no tempo presente. Quem planta tâmaras não colhe tâmaras, mas quem abre mão do tempo por amor, colhe até o último suspiro a folhagem da verdadeira razão pela qual lançamos cada semente. 



 TEXTO: Flaviane Borges  

FACEBOOK: Depois-daqueles-dias 
Flaviane Borges Gomes, nascida aos 25 de setembro de 1981, em Dom Cavati, interior de Minas Gerais. Completou seus estudos na Escola Estadual Profa. Ilma de Lana Emerik Caldeira, em 1999. Despertou gosto pela escrita desde muito cedo, embora tenha um vasto material escrito, dentre poesias, frases filosóficas, textos e afins, o que fez por amor à escrita em seus momentos sós. Participou da Antologia "Arte em Poesia", pela Editora Sol. É autora da "Página depois daqueles dias", que leva o nome do seu primeiro livro a ser publicado em breve. Hoje luso-brasileira, reside em Portugal, onde continua sua jornada no mundo da escrita.
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