A vida e o clichê do futuro

"E o futuro, esse cidadão tão falado, parece está tão perto de nós, que a nossa única chance de falar com ele, é exatamente à meia-noite. E depois, tudo se despede, retornando a mesmice nossa de cada dia. 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Acendo o fogo e despejo alguns pedaços de carne para cozinhar. O ruído vindo da panela, não me incomoda. Há outros ruídos dentro de mim e esses, certamente perturbam-me, a ponto de me colocarem para escrever.

_____Disponho de uma caneta e um pedaço de papel sem pauta. Livre, ele pensa ser, no entanto, sobre ele há palavras munidas de significados, que até me arrisco a dizer serem infinitos. Infinitamente, quisera ser essa tarde: serena a gosto de um vento tímido a farfalhar os galhos das mangueiras e benjamins.

_____No domínio do nada, apenas escrevo para preencher as lacunas deixadas pelo silêncio. Permito-me ser orientada pela bonança, de um ano que se inicia, com sua esperança única e presente, mas também, com alguns centímetros de receio e por que não dizer, de uma certa angústia, que aprisiona os homens e mulheres. O futuro esconde sua face e quando se apresenta, coloca-nos o calendário como mapa dos nossos dias.

_____Nas primeiras horas do novo ano, pouca coisa me distrai. Dos fogos gritantes no céu ao estouro do champanheo ritual, embora clichê, faz-se necessário na perspectiva de que tudo ou quase tudo há de ser diferente e realizado. E o futuro, esse cidadão tão falado, parece está tão perto de nós, que a nossa única chance de falar com ele, é exatamente à meia-noite. E depois, tudo se despede, retornando à mesmice nossa de cada dia.

_____Na contagem regressiva da vida, olho para o retrovisor tendo em vista mais passado que futuro. Mas isso, não cabe debater por ora, porque nem só de filosofia podemos viver. Aproveito, então, esse marasmo inaugural e espio a roda-viva da tarde. Na garagem, os doguinhos dormem na profundidade da inocência. Tenho vontade de abraçá-los, contudo, respeito o sono que os acolhe nesse momento.

_____A vida circula de vários modos para cada um. Enquanto aqui, sinto a visita do vento. Lá no Japão, fiquei a saber que um terremoto acometeu algumas cidades. Debaixo de alguns pedregulhos, nosso coração também bate. Estremece e pulsa. Só para, quando é obrigado a seguir em linha reta.

_____De curvas, só mesmo as letras que compõem essa crônica e o meu sorriso. Sorriso, de quem já está pronta para receber e saciar, a primeira refeição do ano.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
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Comentários

  1. Quero crer que ainda temos muito futuro, apesar de já acumularmos bastante passado. Gostei do texto.

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