"Na história evolutiva do ser humano, razão e emoção têm vindo a caminhar de mãos juntas e seria benéfico, inclusive essencial para todos, que assim continuasse a ser."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
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_____Nunca me pareceu tão conturbado como agora, este mundo em que vivemos. Nunca, como hoje, me deparei com pessoas tão ávidas de encontrar um milagroso GPS que lhes indique o caminho para o equilíbrio emocional que anseiam recuperar. Desorientadas pelas estradas da vida onde, como nómadas, foram montando tenda aqui e ali num processo de sobrevivência, muito mais interior do que exterior. Perdidas como náufragos, à espera que uma qualquer luz ao fundo do túnel lhes venha sussurrar ao ouvido que são tudo menos a escuridão que reside dentro delas.
_____E creio que essa aventura começa a ter consequências desastrosas. A um náufrago, qualquer tosco pedaço de madeira lhe parece tábua de salvação. E por aí andam à deriva muitos toscos pedaços de madeira com fétido cheiro e sentido de oportunismo, a luzir esperanças falsas e descabidas.
_____A consciência e conceção do todo que nos rodeia e afeta, é o resultado de uma aprendizagem tanto intelectual como emocional. O desejável seria que qualquer alteração fosse sempre no sentido da expansão e não da limitação. Na história evolutiva do ser humano, razão e emoção têm vindo a caminhar de mãos juntas e seria benéfico, inclusive essencial para todos, que assim continuasse a ser.
_____Mas em anos recentes tem vindo a instalar-se um estranho modelo de transformação e reforma da psique, que parece deixar uma elevada quantidade de gente em alucinado estado de embriaguez mental. Dele a derivar uma sui generis fuga à realidade e exacerbada empolação do ego. Tornou-se moda deixar de pensar. A entrada apetecível que consta no cardápio miraculoso do dia a dia, dá-se pelo nome de “Sentires”.
_____Assim me respondeu com ligeira prontidão certa pessoa, há uns tempos atrás, quando a indaguei sobre o que pensava em relação a determinada questão, que ela não pensava nada, ela sentia... Eu, por minha vez, senti que começava a pensar que a dita pessoa ou considerava possuir certo défice cognitivo (o que não acreditei muito ser o caso) ou padecia de proeminente nível de ignorância. E neste campo, é preciso ter algum cuidado porque a ignorância (não a que é fruto da falta de conhecimento porque não se teve oportunidade de ir mais além, mas sim aquela que é exibida orgulhosamente alto e bom som por aqueles que, ignorantemente, a confundem com caridosa humildade), essa ignorância, como dizia, é como o bocejo. Contagia.
_____O pensamento revela-se como uma das competências mais importantes para o ser humano avançar. Uma indispensável ferramenta de evolução. Importa reconhecer que nos movemos através do nosso pensamento e com ele aprendemos a contemplar, questionar, buscar respostas e a tomar decisões na busca de uma direção.
_____Descartes tinha a certeza de que a única certeza absoluta que temos é a da nossa existência, quando nos legou o seu “penso, logo existo”. Pois diria eu que se existimos, temos a obrigação de pensar. Ainda que pensar exija esforço, disponibilidade, tempo e até algum sacrifício. Afinal, obriga-nos a sermos responsáveis por quem somos e pelo que andamos por aí a fazer, escondidos dos outros e de nós mesmos, por baixo de ilusórios sentires que queremos acreditar nos tornam iluminados e iluminam os nossos trôpegos caminhos.
_____Procuremos estar atentos: num espaço repleto de corações sequiosos de alimento para a alma, qualquer parca e desnutrida comida enlatada e pronta a servir, toma o gosto de iguaria.
_____É, portanto, urgente pensar.
_____A capacidade de pensar, de questionar, refletir e concluir, é fundamental para a formação de opiniões próprias válidas. E é o pensamento que nos permite ajuizar sobre os nossos sentimentos e emoções. Não o contrário. Como tal, pensar permite-nos construir o caminho para o desenvolvimento da necessária inteligência emocional, da qual os homens e a nossa sociedade parecem andar cada vez mais vazios. Principalmente aqueles que vivem na certeza absoluta e inquestionável de possuir certificado na matéria.
_____Não me julgue, pois, o leitor uma negacionista das emoções. Muito pelo contrário. Admiro e aplaudo essa nobre capacidade de ser capaz de sentir. Essa sensibilidade para desabrochar como flor de lótus no meio do lodo, que tanta falta sempre tem feito à humanidade.
_____Mas procuremos não colocar a carroça à frente dos bois. Sentimos porque existimos, mas percebemos que existimos porque (nos) pensamos e com essa capacidade de pensar nos descobrimos como seres únicos, com características, competências e limitações próprias. Só dessa forma, disponíveis para refletir sobre a compreensão de nós mesmos e do mundo à nossa volta, efetivamente crescemos e evoluímos.
_____Antes de conseguir voar, tem que se aprender a caminhar sobre terra firme e é o pensamento que nos permite consegui-lo. Só depois estaremos à altura de alçar voo por mares mais profundos.
_____Em jeito de conclusão, e salvaguardando o pequeno animal que de nada tem culpa, não sejamos como galinhas, com as nossas despropositadas ânsias de mostrar ao mundo grandiosos diplomas de vida. Saibamos (re)aprender a pensar para sentir e viver com sabedoria.
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TEXTO: Paula Freire
FACEBOOK: Flor De Lyz - Poesia & Fotografia
Paula Freire é natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras poéticas lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021. É também desta editora o livro de poesia de sua autoria, "Lírio: Flor-de-Lis" (2022). Há alguns anos, descobriu-se no seu ‘amor’ pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, tendo organizado uma exposição com trabalhos seus, na cidade do Porto (a convite da Casa da Beira Alta), em setembro de 2022, sob o título: "Um Outono no Feminino: De Amor e de ser Mulher".
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