A Ânsia do Querer e o Tédio do Ter

"Estamos constantemente à procura de algo mais, o que nos provoca o aborrecimento de nunca estarmos totalmente realizados e, como consequência, uma imensa desvalorização do que já conseguimos atingir."

REVISTA VICEJAR – LITERATURA 

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_____Era uma vez o João. 

Certo dia, ainda criança, o João quis uns chinelos porque tinha de ir, descalço, de uma ponta à outra da sua aldeia e isso tornava-se um grande desconforto para ele. Os pais, embora com dificuldade, lá lhe compraram os ditos chinelos. 

_____O João cresceu mais uns quantos centímetros. A carteira dos pais, nem por isso. Mas, ainda que os chinelos continuassem a caber-lhe nos pés, que agora não andavam descalços, o João, um pouco vaidoso, tinha que ter uns sapatos. Porque seriam mais confortáveis e bem mais bonitos de se ver. E os pais, com algum esforço, lá lhe compraram os sapatos. 

_____Mas o António, colega do João, quando o viu com os tais sapatos... mortinho de inveja, disse ao João que na escola olhavam para ele de lado, porque a moda, agora, era mesmo ter umas boas sapatilhas! E vai daí, o João, que até nem concordava com o António, não descansou enquanto os pais não lhe arranjaram umas sapatilhas jeitosas. 

_____Ai, mas agora o João já era um miúdo crescido e bem composto. Tinha lá algum jeito ir almoçar ao bar do Sr. Américo, com a namorada, e levar aquelas sapatilhas pouco clássicas, nos pés? Uns sapatos à maneira, isso é que era! E não esperou muito antes que os pais lhe colocassem na frente uns sapatinhos de encantar a menina dos seus olhos. 

_____Caros sapatinhos aqueles, mas que não duraram muito tempo porque “comprar gato por lebre” é sempre uma elevada probabilidade. E assim temos um João que, já nem pensando muito nos bonitos sapatos, tinha que ficar igual ao José, dentro de umas belas sapatilhas de boa marca. Entre choros e irritação porque a bolsa dos pais, cada vez mais magra, já não bastava a tanta fortuna, o João passa os dias a lamentar-se pelas caras sapatilhas que parecem tardar em chegar. 

_____Dos necessários chinelos de outrora, já nada se lembra... 

_____Assim encontramos tantos Joãos. A ânsia do querer e o tédio do ter. O menosprezo e o desdém pelo que antes foi obtido e a frustração pelo que ainda não foi alcançado. O prazer de possuir tudo, que não preenche absolutamente nada, como uma porção de água que se tenta despejar num copo sem base... 

_____A vida é muito marcada pela constante busca por realizações pessoais. No entanto, dentro de nós vive um duelo permanente entre o desejo interminável de alcançar objetivos e a insatisfação seguida da conquista. Estamos constantemente à procura de algo mais, o que nos provoca o aborrecimento de nunca estarmos totalmente realizados e, como consequência, uma imensa desvalorização do que já conseguimos atingir. Assim o ciclo vai continuando infinitamente... até que, um dia, o mundo acorde. Será que vai acontecer? 

_____Deixo aos leitores a sugestão para visualizarem a curta-metragem “My Shoes”, de Nima Raoofi. Uma história com uma verdadeira lição que todos deveríamos aprender quanto antes! 

YOUTUBE: www.youtube.com/watch?v=SolGBZ2f6L0

 



 TEXTO: Lara Lima 
Nascida em 2009, natural de Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia, Portugal, Lara Lima sentiu desde a primeira infância, vocação para as áreas desportivas, iniciando a prática de taekwondo aos 3 anos de idade. Mais tarde, dedicou-se à modalidade futsal e, posteriormente, ao jogo de ténis. Atualmente, integra uma equipa de futebol feminino da Associação de Futebol do Porto. Incentivada desde pequena ao prazer da leitura, por parte dos pais, e acompanhante dos mesmos em eventos e tertúlias poéticas, começou, há poucos anos atrás, a ganhar gosto pela escrita, tendo ganho o primeiro lugar num concurso de poesia promovido, em 2021, pela escola onde é estudante, subordinado ao tema sobre o 25 de Abril em Portugal. O desenho, a fotografia e o estudo do comportamento humano, são ainda outros dos seus campos de interesse, aos quais se dedica nos momentos de lazer. Em janeiro de 2024 recebeu seu primeiro convite, por parte da Revista Vicejar, para ser colaboradora da mesma, com textos de sua autoria. 
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora. Publicação autorizada pela pessoa responsável.

                                               

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