"O mundo das artes, ao mesmo tempo que encanta com sua aparente beleza, desilude com a realidade crua e nua dos bastidores."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
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_____Assim passaram pouco mais de três anos do meu percurso pela
Revista Vicejar, após convite de um dos seus fundadores para colaborar com esta
excelente “colecionadora” de belíssimos textos: Paulo Cesar Paschoalini. Hoje,
um grande amigo de longa distância, mas sempre próximo do coração. Ser humano de
M maior, porque revestido de uma nobre humildade e elevada sensibilidade,
qualidades raras que em poucos podemos vislumbrar, numa sociedade fortemente
lesionada nos seus sentimentos e na sua ética.
_____A ele agradeço e agradecerei sempre, profundamente, a
confiança depositada em mim e nesta minha forma de expressão, com a certeza de
que a oportunidade que me foi concedida, em paralelo com o privilégio
inestimável de todo o seu apoio, têm constituído, garantidamente, uma
experiência feliz e enriquecedora, de enorme crescimento pessoal, que
permanecerá comigo infinitamente.
_____Mas não me basta apenas desempenhar, com orgulho, o papel de
colaboradora na Vicejar. Também aqui procuro, regularmente, o aconchego da
leitura e o consolo na qualidade do que leio. Num tempo de saber que se vai
construindo em terreno cada vez mais inóspito, e espaços onde predomina a
iliteracia de uma cultura aleijada e vastamente despida de conteúdo, é
gratificante encontrar-me, sempre que me é possível, com a qualidade das palavras
e emoções descritas e a notável mestria de quem, ao meu lado, segue este mesmo
caminho. Cada autor no seu estilo único e particular, com a peculiaridade da
sua escrita, vão contribuindo para um mosaico de perspetivas e narrativas que
nos permite descobrir, enquanto leitores, mundos interiores repletos de
vivências, de sonhos e diferentes perceções.
_____Mundos esses que são, para mim, uma bonita fonte de
inspiração. Porque, talvez inocentemente, acredito que o mundo literário deverá
ser mesmo assim, não somente uma busca sôfrega por aplausos com o intuito de
massajar a vaidade do ego, mas também, muito e sempre, a capacidade de perceber
no outro os seus dons. Aprender e inspirarmo-nos neles com humildade genuína.
Não ser feliz nas palavras apenas quando a nós mesmos nos dizem respeito, mas
também ter a dignidade de apreciar, compreender e nos deixarmos encantar com o
mundo de quem lemos, quando é ele que, tantas vezes, afinal e tão
certeiramente, nos lê por dentro.
_____Infelizmente, o mundo das artes, particularmente o da
escrita, mencionando aquele que me é mais próximo, muitas vezes idealizado como
um santuário de sensibilidade, lugar onde as almas se podem encontrar para
partilha de experiências, ideias e reflexões, acaba por ser mais um espelho quebrado
a refletir fragmentos de vaidades e hipocrisias. Ainda que, diria Álvaro de
Campos, cansado de semideuses, “são todos o ideal, se os oiço e me falam, quem
há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?”.
_____Virginia Woolf que, nas suas obras e ensaios, tão
profusamente explorou a complexidade das relações humanas e as inconsistências
entre o discurso e a prática, objetivamente considerou que “escrever é como um
fio que segura o tecido da vida, mas muitos se embaraçam nele, perdendo-se no seu
próprio reflexo”. E assim temos esse universo da arte onde se espera encontrar
o espírito altruísta que deveria vestir a alma do artista e nele nos deparamos
com atos que desmentem a sensibilidade poetizada pelos seus protagonistas. As
belas metáforas e as narrativas que projetam, mas que escondem uma postura de
superioridade e uma luta incessante pelo reconhecimento. A ironia cruel do
escritor que prega a humildade e a compreensão, mas que, efetivamente, abriga
em si o profundo desejo de ser idolatrado. A presunção do presumível guardião
da verdade e da beleza, a erguer muros intransponíveis enquanto percorre o
labirinto do seu próprio narcisismo e sucumbe à ilusão da sua grandeza. O amor
à arte frequentemente superado pelo amor a si mesmo.
_____Já Manoel de Barros, no seu estilo característico de poético
olhar agudo, escrevia sobre a superficialidade de muitos e a falta de
substância na produção literária. Dizia ele, no seu Caderno de Mudas, que “a beleza das palavras não preenche o vazio
que está por trás das palavras”. E que “é por isso que temos poetas que não
sabem o que dizem, escrevem palavras bonitas, mas o que está dentro é um buraco
negro”.
_____Num acréscimo doloroso a estas constatações, é
preocupantemente reveladora a notável inveja, camuflada sob os falsos elogios,
incapaz de suportar as capacidades, potencialidades e brilho alheios, sombra
constante nas relações entre tantos artistas. É lacónico Bukowski, cujas obras,
seguindo uma abordagem honesta e dura, foram uma crítica contundente aos falsos
intelectos e à superficialidade que encontrou ao longo da vida, ao afirmar ter
acreditado que ser escritor significava ser honesto mas descobriu,
posteriormente, que é mais sobre saber mentir bem.
_____Porquanto, a crítica supostamente construtiva, e que poderia
e deveria constituir-se como alicerce de crescimento, transforma-se no ataque
disfarçado, fruto de uma visceral insegurança pessoal. Os trajes elegantes
feitos de palavras floridas, a mascarar a pequenez do caráter e a promessa de
uma fraternidade literária a dissolver-se face à crueza das relações.
_____Não bastasse já todo este cenário dantesco, deparamo-nos
ainda com uma outra realidade aniquiladora das potencialidades inerentes ao
verdadeiro saber e genuíno sentir de quem se move a gosto – ou contragosto – por
estes meandros artísticos. Uma realidade contra a qual, a peleja exige forças
descomunais: a posição marcadamente excludente levada a cabo pelos pequenos
grupos e por elites que, com as mãos e o pensamento fechados em torno de
estéticas específicas e critérios ideológicos, ignoram a diversidade e a
inovação de quem se apresenta fora dos principais circuitos ou permanece
distante da moda institucionalizada.
_____Evidentemente, quando a consagração artística não depende de
talento mas, substancialmente, da habilidade em navegar por relações de poder e
dentro das “redes certas”, a obra perde toda a sua relevância e a criação é
concebida para satisfazer tais elites, desligando-se aquela do seu efetivo
valor e sentido fundamental e que é, claramente, o de buscar um propósito mais
elevado, sacrificando-se, pois, toda a integridade criativa em nome da
aceitação social e do sucesso comercial. Um sistema opressor do talento
genuíno, o qual empobrece fortemente a cultura!
_____“Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não
o fiz”, a afirmação que já ressoava como espantosa verdade, na Tabacaria de Pessoa! Mestre na palavra
terá sido igualmente Emerson, ao referir que “o grande homem é aquele que, no
meio da multidão, mantém, com perfeita doçura, a independência da solidão”.
Porque toda a arte, a escrita, a poesia, têm que ser orientadas por princípios
de excelência e não por vãs políticas ou modismos vazios.
_____Deste modo, o mundo das artes, ao mesmo tempo que encanta
com a sua aparente beleza, desilude com a realidade crua e nua dos bastidores.
Como bem escreveu Oscar Wilde, “raramente a verdade é pura, e nunca é simples”.
_____Do descompasso entre a escrita e o comportamento dos autores
emerge o dito popular de que nem tudo o que reluz é ouro, pelo que, no teatro
de vaidades onde a máscara e o rosto se confundem, resta ao verdadeiro amante
da arte navegar com discernimento, separar o trigo do joio e fazer pela
diferença.
_____Mas tão só, isso não basta. Urge a coragem para deixar de
lado o politicamente correto, a conversa afiada no banco do cafezinho da
esquina, a maledicência pequenina das redes sociais e a indirectazinha cobarde
do “cabe a carapuça a quem a enfiar”. É imperiosa a ousadia de ir além das
convenções que se julgam estabelecidas, desafiar sem receio de ferir
suscetibilidades, enfrentar com dignidade e lutar com franqueza, pelo rigor e
por uma mudança de mentalidades e de práticas, para que o mérito artístico seja
o principal critério de reconhecimento, e não a adesão a círculos de influências.
_____Mais uma vez, Oscar Wild estava certo ao lembrar-nos que
"a maioria das pessoas morre como imitadores, não como criadores."
Portanto, há que dizer um NÃO retumbante e implacável a essa franca traição
perpetrada – e perpetuada – à essência própria da arte que, enquanto construção
genial e autêntica, permanece enforcada e a agonizar, submissa, aos pés da
mediocridade de uns quantos grupos elitistas, amiudamente provincianos, e da
sua crítica vulgar e trivial, ainda que por eles legitimada e que, tantas
vezes, não é senão o resultado de um fracasso reunido para julgar os que se
arriscam, como sabiamente identificou Henry Miller.
_____Afinal, e Nietzsche que me perdoe por reinventar as palavras
que lhe cabem, mas o que se faz por amor
deve estar sempre além do mal.
_____Agora e por fim, a todos deixo o meu honesto e fidedigno
abraço poético.
TEXTO: Paula Freire
FACEBOOK: Flor De Lyz - Poesia & Fotografia
Paula Freire é natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras poéticas lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021. É também desta editora o livro de poesia de sua autoria, "Lírio: Flor-de-Lis" (2022). Há alguns anos, descobriu-se no seu ‘amor’ pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, tendo organizado uma exposição com trabalhos seus, na cidade do Porto (a convite da Casa da Beira Alta), em setembro de 2022, sob o título: "Um Outono no Feminino: De Amor e de ser Mulher".
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
Um texto que nos leva a refletir...
ResponderExcluirParabéns Paula Freire👏👏👏👏
Está fantástico como tudo o que escreves💜
Muito obrigada pela leitura e pelas palavras.
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