Vidas em vinhetas

“Da minha varanda, olho em frente as janelas, pequenas molduras iluminadas, recortes mágicos de banda desenhada ganhando vida." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____A noite caía sobre a cidade como uma enorme cortina negra desce no final da peça.

_____Tudo se passa agora nos bastidores, longe da luz do dia. E a magia pode finalmente acontecer.

_____Da minha varanda, olho em frente as janelas, pequenas molduras iluminadas, recortes mágicos de banda desenhada ganhando vida.

_____Numa, uma mulher cozinha, a vejo esbracejar e falar sozinha para o ar, com o telemóvel em voz alta, calculo. Imagino-a a falar com seu amor, saudosa, dizendo-lhe como sente a sua falta e como está a preparar algo especial para ele quando chegar.

_____Noutra vinheta, um homem, em tronco nu, solta fumo pela boca, imóvel, de olhar perdido.

_____Imagino-o a viajar por terras longínquas, opostas às paredes de betão que avista, abraçando talvez familiares à muito deixados para trás.

_____Um miúdo joga no computador, noutra janela. Curioso! Este está indiscutivelmente a viver aventuras noutros mundos, desbravando, conquistando, construindo ou personificando o vilão e destruindo.

_____Apenas o olho, ali, agarrado à irrealidade criada como se fosse sua.

_____A mulher vem agora à janela estender roupa, por momentos cruzo o olhar com o dela, e, nesse breve instante, salta da história e torna-se real, demasiado real. Reconheço o seu olhar mortiço, cansado. E a imagem saudosa à chegada do amante, dissipasse.

_____Entristeço. Por ela, por mim.

_____O homem continua ali, vejo-o olhar para trás, alguém o chama, e apaga a luz. Apenas vislumbro a sua sombra e o pequeno ponto incandescente que logo desaparece.

_____E a sua viagem acaba, tão fugaz quanto a idealizei.

_____Recolho-me, e também eu apago a luz. Sem imaginar, que aos olhos daquelas pessoas também eu sou uma personagem.

_____Para a mulher, sou a miúda melancólica que todas as noites fica a olhar as estrelas como se pudesse nelas se fundir.

_____Para o homem de olhar perdido, esse, viajava sim, todas as noites na silhueta da minha figura recortada pela luz da lua.

_____Já o miúdo, nunca reparara sequer em mim.

_____Continuava a ser apenas o miúdo da internet, e, as suas histórias irreais, vividas virtualmente, eram a sua única realidade.

_____A única realidade.

_____E eu, real o bastante, a ele, nunca seria uma personagem. 





 


 

 TEXTO: Ana Acto 

FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto 

Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas. 

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

                                                  

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