Encontros

"Elevadores lentos e lotados. Rampas e corredores infindáveis. Desço mais um vão de escada. Eis, finalmente, o 223. Retiro a chave do saco plástico, destravo e empurro a porta." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Oito horas na estrada. Calor, falatório no ônibus, curvas em demasia, almoço enjoativo... Como disse aquela personagem da novela: mas, enfim, cheguei! Exausto, cheguei. 

_____Fila para o check-in. De onde saiu tanta gente, pergunto à minha mala. Um casal de vikings, próximo ao balcão da recepção, nos observa. Eretos, mal-encarados, esquisitos pra caramba. Meu santo não bate com o deles. O que vikings têm a ver com nosso encontro sindical, pergunto novamente à mala. E novamente tenho como resposta o rumor das pessoas na fila. 

_____Mais alguns passos à frente. Um rapazinho, sorriso de canto a canto, se aproxima. Vocês são do encontro do sindicato, indaga. Não consigo ler seu nome no crachá: as letras pequenas demais ou preciso urgentemente trocar os óculos. Um grisalho à frente responde que sim, somos do sindicato. Ah, o check-in de vocês será depois, podem ir direto pro credenciamento e pro coffee break de boas-vindas. 

_____Deixamos a fila. Posso estar errado, mas tenho a impressão de que o viking-macho esboçou um sorrisinho irônico. Odeio gente fantasiada, comento com a dona que empurra uma mala maior que ela. Não é fantasia, é cosplayer, informa a sabichona. Tudo a mesma palhaçada, resmungo, passando à sua frente. 

_____O credenciamento se arrasta. Fila para retirar o crachá, fila para assinar a lista de presença, fila para retirar o material (agenda, caneta, camiseta, copo, folders e mais um monte de porcariada), fila para receber a chave do quarto. Quando, enfim, sou liberado, entro na fila para o banheiro. 

_____Livre daquilo que me consumia as entranhas, vou ao refeitório. O breakfast terminou, senhor. É o que me informa a moça com a vassoura na mão. Minha cara de desolação fala por mim. Aqui no resort os horários são cumpridos à risca, e o breakfast termina às dezesseis e trinta. Pelo visto, só não cumprem à risca o ensino de inglês, sua jumenta, resmungo. Junto minha mala e a frustração, caço o rumo do quarto. 

_____Elevadores lentos e lotados. Rampas e corredores infindáveis. Desço mais um vão de escada. Eis, finalmente, o 223. Retiro a chave do saco plástico, destravo, empurro a porta. 

_____Um carinha está deitado na cama. Boa tarde. Ele não responde ou, talvez, eu esteja ficando surdo. Ajeito a mala no canto, fecho a porta. Me aproximo do companheiro, que continua com os olhos pregados no smartphone. Deve ter em torno de uns vinte e cinco anos, não mais que vinte e seis; não é feio, não é belo, pelo menos não é mal-encarado como os vikings da recepção. Estico a mão para cumprimentá-lo. Ele, enfim, me olha. Surpreso, não sei se com minha aproximação ou com o cumprimento. Lentamente, troca o aparelho de mão, retribui o aperto de mão. Digo meu nome e de onde venho, ele sussurra o seu. De qual cidade, pergunto para puxar papo. Do Triângulo, retruca, os olhos pregados novamente na maldita tela. Não haverá comunicação entre nós, concluo. 

_____Corro os olhos pelo quarto. Amplo, iluminado, arejado, duas camas enormes de casal. Estranho, o sindicato avisou que seríamos três a dividir o quarto. Comento isso com o companheiro que, sem desviar os olhos da praga tecnológica, diz que “o outro carinha largou a mala dele aí e foi cair na piscina”. Entro no banheiro, pensando onde diabos o outro carinha dormirá. 

_____As toalhas ainda não foram usadas. Parece que o vaso também não. Bem, depois de uma viagem exaustiva, mereço um banho. Tiro a camisa, volto ao quarto. O companheiro ri feito um maluco olhando o celular, donde saem diálogos apressados em inglês. Não bastasse aquele falatório no ônibus, agora vou ter que suportar essa xaropada o dia e, certamente, a noite inteiros. 

_____Tiro uma muda de roupa da mala, espalho outras tantas na cama. Meu objetivo, feito o cachorro que mija em cada poste do bairro, é marcar território. O outro carinha, quando voltar, que se vire. Ou que divida a cama com o antipático do Triângulo. 

_____Volto ao banheiro. Tomara o outro companheiro seja mais comunicativo, rogo aos primeiros pingos que tombam em meus costados. 


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritor de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", pela Editora Porto de Lenha, e "A vida segue" pela Caravana Editorial. Divulga seus escritos no blog "Reminiscências Literárias", Facebook, Instagram e no site "Recanto das Letras". 
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