Sem clima

"Mas essa, digamos, metamorfose não começou neste ano que insiste em não findar. Ao contrário, vinha dando sinais nos dezembros passados, sobretudo, nos dois últimos." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____O calendário dá conta: o Natal se aproxima. E eu retruco que ainda não entrei no clima. Estou, não sei o porquê, completamente indiferente às luzes que piscam nas sacadas dos apartamentos vizinhos. Pensando bem, não estou só: há bem menos luzes piscando que no ano passado, que teve poucas luzes em relação a outros natais... Comentei isso com a mãe. “O povo tá descrente”, ela retrucou, voltando a deslizar o feed do Face. Não entendi o que as luzes coloridas têm a ver com a fé, mas não estiquei o assunto. Preferi continuar caçando estrelas na imensidão que se descortinou após a chuvarada.

_____Tentei entrar no clima natalino dando play no clássico disco da Simone: serviu para encher o quarto de melancolia e fez minha saudosa infância desfilar ante as meninas de meus já cansados olhos.

_____Desliguei o som, fui assistir a outro desses filmes bobinhos que o streaming sempre disponibiliza nesta época. Desses que esbanjam neve, guirlandas, luzinhas douradas, mesas fartas, árvores enfeitadas e beijinhos, muitos beijinhos, trocados por protagonistas de olhos azulíssimos e cútis mais alvas que as das princesas disneyanas. Ontem, foi uma comédia romântica ambientada em Londres, uma Londres excessivamente adornada para a chegada do Bom Velhinho (que, curiosamente, não deu as caras no filme). Agora, enquanto as nuvens despejam mais chuva lá fora, assisto a uma xaropada cuja história se passa numa vila suíça. Sinceramente, não sei se aguentarei esperar o the end.

_____Esse ano estou um completo Grinch: o pisca-pisca que a mãe pendurou na sala me irrita, a música que vem das lojas me irrita, as pessoas nas ruas desejando feliz natal me irritam, os sorrisos cínicos nos stories me irritam ainda mais... até minha irritação está me irritando. Curioso, pois sempre curti tudo que se relacionasse aos festejos dezembrinos (chocotone, luzes, canções típicas, presépio, novena, ceia, presentes). Mais que curioso, chega a ser esquisito que eu deseje, tão ardorosamente como estou desejando, que janeiro arrombe a porta feito Chuck Norris e afugente, de uma vez por todas, essa presepada natalina.

_____Mas essa, digamos, metamorfose não começou neste ano que insiste em não findar. Ao contrário, vinha dando sinais nos dezembros passados, sobretudo, nos dois últimos. Dias antes do recesso comentei isso com um companheiro de burocracia, que retrucou: “Agora que completou três, já pode pedir música no Fantástico” Deixei-o na cantina, rindo feito um saci, e voltei para meus afazeres.

_____Largo o filme de lado – sabia que não ia suportar por muito tempo –, caço qualquer coisa no YouTube. Mas, para cada quadrinho que olho, só tem coisas relacionadas com o Natal... Não, peraí, ainda há luz no fim do túnel: um vídeo do Pondé mostrando sua biblioteca. Enfim, vale tudo para não ficar olhando a barba broxante do Noel e ouvir, pela milionésima vez, a estória do menino que nasceu na manjedoura sob o brilho de uma indiscreta estrela.


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritor de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", pela Editora Porto de Lenha, e "A vida segue" pela Caravana Editorial. Divulga seus escritos no blog "Reminiscências Literárias", Facebook, Instagram e no site "Recanto das Letras". 
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