"Em tempos nos quais o amor, surge reduzido e limitado. As relações líquidas desaguam, inundando os corações com dúvidas e incertezas."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
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_____Tomei o carro e me dispus a voltar para casa. Era uma manhã cinzenta, de densas nuvens e asfalto molhado. Chovia bastante, a ponto de precisar acionar os faróis e o limpador de para-brisas. No rádio, uma canção emanava seus sentimentos, enquanto os pingos gélidos de chuva, repousavam sobre o capô do automóvel.
_____Quando ganhei a primeira esquina, meu olhar avistou o andar de um casal de adolescentes. Fardados e munidos de suas mochilas, ambos não se importavam com a presença do aguaceiro. Os olhinhos petrificados, pareciam descansar nas pupilas de cada um. E as feições úmidas, exibiam uma ternura, até então nunca mais vista por mim.
_____Poderia cair o dilúvio que fosse e lá, eles estariam. Caminhando em passos curtos, para postergar a despedida. Talvez, aquela cena me registrasse, o primeiro amor na vida daqueles jovens. E toda primeira vez, é um evento único, eternizado na memória.
_____Ela, com o penteado quase todo desfeito pela chuva, desfilava um ar de primavera juvenil, ao mesmo tempo que ele, com as mãos resguardadas nos bolsos do casaco, contemplava a feição benzida de sua amada.
_____Em tempos nos quais o amor, surge reduzido e limitado. As relações líquidas deságuam, inundando os corações com dúvidas e incertezas. Os relacionamentos se transformaram na materialidade do efêmero e da vulnerabilidade. Nada mais que se faça, configura-se para sempre, mesmo a saber que o para sempre, não se calcula, mas se sente.
_____Apesar de todo o imediatismo contemporâneo, aquela manhã de chuva me trouxe a pureza, o deslumbramento de estar ao lado, de quem nos faz bem. O encanto da entrega, a sutileza do momento, a pressa recusada. Poderia o céu se fechar em trovoadas, que o casal continuaria lá, caminhando e dividindo seus passos, com os córregos e poças d’água. O que eles conversavam, não sei bem, arriscaria ser sobre a aula de português com as suas orações subordinadas, ou talvez, sobre a aula de História Geral com a sua Revolução Francesa.
_____O amor revoluciona...
_____Da vista do meu retrovisor plangente, a imagem dos enamorados, agora era refletida no meu pretérito. Digna de uma cena em câmera lenta, as emoções daquele instante, sempre serão lembradas por mim. Na certeza de que em toda manhã de chuva, devaneia um casal, respingando em algum lugar, um tanto de amor.
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