No meio do caminho

"A vida se redige, enquanto a metade da semana celebra a jornada de cada um. Do cansaço eminente, reitero minha audácia em transformar as dores em palavras." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____É uma noite quente de quarta-feira, sento-me diante da tela em branco, para redigir a crônica do mês. Poderia falar de muitas coisas: do preço do café, da ganância dos homens e dos apuros que o conhecimento corre. Mas cá, estou aqui, percorrendo os meandros das palavras que me socorrem perante à solidão. Lá fora, os grilos cantam, a televisão esperneia seus anúncios publicitários e meus cachorros latem, para qualquer movimento suspeito vindo da rua.

_____Gosto dessa solidão noturna, que me abraça após o jantar. A pia vazia, os pratos limpos, a mesa do café já preparada para o amanhecer. O silêncio aos poucos desce sobre os telhados das casas. Janelas entreabertas permitem o vento morno sacolejar as cortinas. A vida se redige, enquanto a metade da semana celebra a jornada de cada um. Do cansaço eminente, reitero minha audácia em transformar as dores em palavras. Mas as palavras sofreriam conosco?

_____Do suor que respinga das minhas têmporas, projeto meu olhar para o céu vazio de estrelas. As ideias escorrem, parecem ser lançadas contra a maré revoltada de um oceano, que persisto em visitar.

_____Com as retinas preparadas para o descanso. Renovo minha pouca força e permito que meus dedos passeiem, ora ligeiros, ora morosos sobre o teclado empoeirado do computador. Ao seu lado, blocos de notas esperam por palavras, que talvez nunca alcancem a ponta da caneta.

_____Da janela, o vento abafado mais uma vez sobrevoa a sala, descabela as páginas do dicionário e assopra os meses do calendário exposto na parede. Os dias se vão e com eles, fragmentos de nós, fragmentos de sonhos, fragmentos da ficção que insistimos em viver.

_____A quarta-feira do mês de junho mensura a fração de um tempo, que se dispõe para nós. Enquanto tento escrever o último parágrafo dessa crônica, meus ouvidos atentam para uma canção longínqua, executada em algum lugar dessa cidade. Cidade que cheira à fumaça e abandono. Cidade que cheira a bife acebolado, servido em alguma casa, dobrando a esquina.


.TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame é escritora, poeta e professora nascida em Manaus. É autora dos livros: "Português Amoroso" (2020) e "Cactos e Tubarões" (2023). Foi finalista do Prêmio Selo Off Flip (2022), na categoria conto e vencedora do 6º FLIM (2023), promovido pela Academia Volta-redondense de Letras com o conto: "Professor Jeremias Bartolo". 
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