Motivos

"Somos, então, a poesia em meio à ausência das palavras, somos o desconforto, nas noites de insônia.

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Em algum momento, somos o motivo da alegria de alguém. Na banalidade dos dias, o eterno também pode dimensionar pequenos segundos. Sei bem da magnitude que um sorriso pode alcançar. E da capacidade que tem, de mudar uma leitura de mundo.

_____Também sei que o choro descortina a aparência do ser. Há choros sinceros e sorrisos modelados de tristeza. Pessoas vêm e vão, cada uma delas expressa sua essência nos gestos, nos discursos ditos, na fala pausada ou na dinâmica peculiar da língua.

_____O motivo que nos move, mora nas subjacências, nas entrelinhas que dizem muito mais de nós. A penumbra de cada um, revela paulatinamente, as silhuetas dos nossos pensamentos, o labirinto dos sonhos.

_____O mundo é vasto, já dizia Drummond. E é o coração da gente, que abraça, absorve, guarda e reserva todos os percalços que a vida assim nos distribui. Ao meu modo, redijo essas palavras, enquanto alguns pássaros cantarolam sobre os galhos das árvores. Do outro lado, diante daquilo que minha vista desnuda, o mundo cintila, mesclado em cores vivas.

_____Na encruzilhada do ser, há tantos motivos para existir. Existimos para ser no outro, a representação daquilo que gostaríamos ou suponhamos idealizar. Somos a ideia, a razão, o deleite na vida de muitos. Somos, então, a poesia em meio à ausência das palavras, somos o desconforto, nas noites de insônia.

_____Somos o motivo na imprecisão das horas que nos limitam, somos o descaso no silêncio de uma resposta. Há motivos para continuar nessa agridoce luta com as palavras. Assim como também, peregrina em nós, motivos para acreditar até mesmo, nas dúvidas que nos cercam.

_____Nesse rito em que a razão de tudo busca justificar o injustificável, somos agraciados com os instantes que circundam a vida. A tudo recorremos aos porquês da nossa jornada. Queremos saber das respostas, que muitas das vezes, não são soberanas, mas apenas hipóteses desse grão, semente de existência.

_____Todo e qualquer motivo pode ser transitório. Como ressalta Cecília Meireles em seus versos:

"Se desmorono ou se edifico
se permaneço ou me desfaço
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou se passo." 

_____A dizer sobre isso, o que nos resta é viver nessa constância. Subordinados ao tempo e cativos das horas. A vida se reduz para nós, é fugaz. Por isso, há motivos para cantar, mesmo quando o verão já desponta tétrico no horizonte. Enquanto o instante vive aqui, somos como poetas, prontos a declamar nosso último poema, antes da chegada do inverno. 


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame é escritora, poeta e professora nascida em Manaus. É autora dos livros: "Português Amoroso" (2020) e "Cactos e Tubarões" (2023). Foi finalista do Prêmio Selo Off Flip (2022), na categoria conto e vencedora do 6º FLIM (2023), promovido pela Academia Volta-redondense de Letras com o conto: "Professor Jeremias Bartolo". 
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