Pela Dança de Um Amor

"Como se o tempo ancorasse naquele espaço sem limites, toda a delicadeza se foi revelando nos seus movimentos a fazerem daquela arte a mais pura prece." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Trazia sobre o corpo um vestido feito de alvas recordações com a ternura dos dedos que, um dia, a tinham embalado ao som de muitas canções. 

_____O palco, sereno, acolheu-lhe os passos qual mestre que aguarda, silencioso, o desabrochar da sabedoria leve, mas segura, do seu discípulo. A música surgiu suave como um toque de seda que adoça a pele e nos conta segredos. 

_____Como se o tempo ancorasse naquele espaço sem limites, toda a delicadeza se foi revelando nos seus movimentos a fazerem daquela arte a mais pura prece. 

_____Não era apenas a vontade. Era todo o sentimento contido naquele modo, inexplicavelmente genuíno, de ser corpo e alma indivisíveis. A ponta dos pés e a magia das mãos a envolverem o aconchego dos misteriosos compassos. Sobre a extensão do vazio, apenas ela e a criação rítmica e cadenciada de um milagre, numa oferta de vida ao momento e às sensações inexprimíveis de quem a observava com a respiração cativa no olhar. 

_____Era uma necessidade muda, a que se fazia em nós, de seguirmos ao encontro profundo daquela relação tão íntima que ela tinha consigo mesma, numa harmonia perfeita, como se cada expressão do corpo fosse uma sedução natural da luz do sol, da imensidão do céu, das vozes misteriosas da terra. 

_____A revelação da discreta essência de ser, num corpo de menina a transbordar a emoção transformada em arte. 

_____Para ela, a dança era a consciência, a voz, a música do silêncio, a canção da vida. O aroma do infinito no mais belo acorde a vibrar-lhe no peito. 

_____Na melodia do tempo, fazia parte dela como um antigo sonho por sonhar. Um novo caminho a percorrer. A dor de um passado que se desfez e que a imaginação, hoje, poderia refazer com o sentimento a nascer-lhe do corpo uma e outra, e outra vez. 

_____Jamais voltaria a escutar o som dos afetos na doçura macia dos lábios da mãe. Mas era assim agora que, depois da partida, ela regressava. Pela certeza de um encontro onde nada diziam. Somente a virtude destes eternos instantes que tinham a fragrância de um beijo demorado e aquele encantamento de um amor delicado e vagaroso, sem urgência. 

_____Era assim, agora, que guardava em si a memória única do que as palavras nunca mais poderiam proferir. Era neste silêncio que a dança se tornava para ela a soma de todas as partes de um só coração. E nela morava a evidência de nunca estar sozinha. 

_____Na intensidade do seu deserto interior, era quando se perfumava assim, num ato de completo e desarmado abandono, e sentia o vento que vinha da própria pele, que redescobria o mais humano e o mais divino dentro dela. 

_____Era quando renascia nesta cintilação feliz de intimidade, que ela abraçava a eternidade. 

( Imagem - autor: Jo Kassis / pexels.com/pt-br/ ) 


 TEXTO: Paula Freire 

SITE: Nas Minhas Linhas te Confesso... - Crónicas 

Paula Freire é natural de Lourenço Marques, Moçambique, e reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. Prefaciadora e autora das imagens de capa de várias obras no campo poético e narrativo, tem publicado dois livros de poesia, "Lírio: Flor-de-Lis" (Editora Imagens e Publicações, 2022) e "As Dúvidas da Existência: no heteronímia de nós" (em coautoria com Rui Fonseca, Farol Lusitano Editora, 2024). Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, tendo organizado uma exposição com trabalhos seus, na cidade do Porto (a convite da Casa da Beira Alta), em setembro de 2022, sob o título: "Um Outono no Feminino: De Amor e de ser Mulher".

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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade. 

                                       

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