Um desses domingos

"Depois de olhar e apontar bastante pros bichos, subíamos a ladeira onde, defronte ao restaurante, ficava o parquinho."  

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____À varanda, marco a página com o indicador. Observo o bordão-de-velho que, no jardim malcuidado, se deixa bolinar pela brisa vespertina. Desvio o olhar pra sala: com criança em casa, é um olho no gato e outro no peixe. 

_____Escarranchado no sofá, Israel se espreguiça. No televisor, outro episódio da Pantera Cor-de-Rosa. Engraçado, nos últimos dias o pequeno tem se interessado pelas trapalhadas da felina... Ainda bem: eu já não suportava mais os Bolofofos e o funk do pão de queijo.

_____Mas a transição não foi vapt vupt, como dizia outro personagem televisivo. Não mesmo. Por um curto período, Israel se entreteve com uma porquinha sonsa e chatérrima, depois passou pela Partimpim (“a menina”, dizia, dedinho apontado). Muitas noites tombamos, ele prum lado e eu pro outro, ouvindo as canções dessa menina. Agora é a vez da silenciosa Pantera... Ah, também assisti muitas e muitas vezes aos seus desenhos nas doces tardes da minha infância.    

_____Um tri tri tri súbito espanta as reminiscências. Vem lá da Samanea tubulosa (não, estupefato leitor, não sou versado em botânica e latinismos: o vizinho é que espalhou aí na rua que a centenária bordão-de-velho atende também por essa graça). Donde vem esse insistente gorjeio? Ó, lá está, no galho mais alto.

_____Israel, vem ver o tucano, vem!

_____Vidrado na Pantera que se exibe infinitamente ante seus olhinhos castanhos, ele nem se mexe. Vem, vem ver! Entro, pego-o no colo (sim, sou um tio chato, irritante, sem-noção mesmo), aponto o tucano. O bubu (assim Israel batizou o bico) faz chup chup na sua boquinha, indiferente ao bicão alaranjado ligeiramente escondido entre as folhas.

_____Desisto. Volto com o menino pro sofá.

_____Agora encarapitado noutro galho, o emplumado me espreita. Ressabiado, como tendem a ser os Ramphastos toco (esse aprendi pesquisando na internet).

_____Me entrego novamente à cadeira.

_____Recordo, saudoso, outros domingos. Muitas e muitas vezes meus pais me levaram ao zoológico de Ubá. Macacos, jacarés, araras, lobo-guará, tucanos, vários tucanos saltitando nos enormes viveiros. Depois de olhar e apontar bastante pros bichos, subíamos a ladeira onde, defronte ao restaurante, ficava o parquinho. Minhas botas ortopédicas corriam nas pedrinhas brancas, da gangorra pro escorregador e do gira-gira pro trepa-trepa... Assim eram aqueles domingos. E, quando chegava em casa, banho, janta e cama. Enfim, como exclamou o cronista mundano, “havia em tudo a delícia do domingo”.

_____É, pelo visto, o tri tri tri me deixou nostálgico. Pra descambar ao saudosismo basbaque, costuma ser um pulo. Melhor reabrir o livro. 


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritor de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", pela Editora Porto de Lenha, e "A vida segue" pela Caravana Editorial. Divulga seus escritos no blog "Reminiscências Literárias", Facebook, Instagram e no site "Recanto das Letras". 
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