“Ergueu
no patamar quatro paredes sólidas, tijolo com tijolo num desenho mágico”
REVISTA VICEJAR – ARTE E CULTURA (Música)
MÚSICA: “Construção”
(Composição:
Chico Buarque de Holanda, 1971)
Amou
daquela vez como se fosse a última
Beijou
sua mulher como se fosse a última
E
cada filho seu como se fosse o único
E
atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu
a construção como se fosse máquina
Ergueu
no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo
com tijolo num desenho mágico
Seus
olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou
pra descansar como se fosse sábado
Comeu
feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu
e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou
e gargalhou como se ouvisse música
E
tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E
flutuou no ar como se fosse um pássaro
E
se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou
no meio do passeio público
Morreu
na contramão, atrapalhando o tráfego
Amou
daquela vez como se fosse o último
Beijou
sua mulher como se fosse a única
E
cada filho seu como se fosse o pródigo
E
atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu
a construção como se fosse sólido
Ergueu
no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo
com tijolo num desenho lógico
Seus
olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou
pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu
feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu
e soluçou como se fosse máquina
Dançou
e gargalhou como se fosse o próximo
E
tropeçou no céu como se ouvisse música
E
flutuou no ar como se fosse sábado
E
se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou
no meio do passeio náufrago
Morreu
na contramão atrapalhando o público
Amou
daquela vez como se fosse máquina
Beijou
sua mulher como se fosse lógico
Ergueu
no patamar quatro paredes flácidas
Sentou
pra descansar como se fosse um pássaro
E
flutuou no ar como se fosse um príncipe
E
se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu
na contramão atrapalhando o sábado
Por
esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A
certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por
me deixar respirar, por me deixar existir
Deus
lhe pague
Pela
cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela
fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir
Pelos
andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus
lhe pague
Pela
mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E
pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E
pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus
lhe pague
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Essa
música de Chico Buarque, do ano de 1971, é considerada por muitos críticos como
uma das mais significativas composições desse autor, elaborada cuidadosamente
com frases terminadas com palavras proparoxítonas. Descreve não somente a
rotina de uma edificação comum às grandes cidades, mas como a sociedade está
“construída” e as diferenças sociais existentes.
A
princípio, retrata a realidade da construção civil, observada de acordo com o
ponto de vista humano, daqueles que se arriscam equilibrando em andaimes para
poder executar a tarefa de por “tijolo por tijolo num desenho mágico”.
Além do mais, “comeu feijão com arroz... bebeu e soluçou”, por exemplo, dão a dimensão das condições e sentimentos que envolvem o operário, tratado “como se fosse máquina”. Enquanto procuram ganhar a vida executando essa tarefa tão necessária à sociedade, mas também tão arriscada, muitos acabam por morrer “na contramão atrapalhando o tráfego”.
Além do mais, “comeu feijão com arroz... bebeu e soluçou”, por exemplo, dão a dimensão das condições e sentimentos que envolvem o operário, tratado “como se fosse máquina”. Enquanto procuram ganhar a vida executando essa tarefa tão necessária à sociedade, mas também tão arriscada, muitos acabam por morrer “na contramão atrapalhando o tráfego”.
Após
finalizar a primeira parte com a morte do operário, a segunda parte é cantada
com os versos começando de maneira semelhante, ainda terminado com
proparoxítonas, mas no desfecho com palavras diferentes. No entanto, quando cantada,
ainda, pela terceira vez, cada verso apresenta no final uma forma desordenada,
ganhando contornos de “desconstrução” da lógica poética, mostrando uma
realidade caótica.
Dessa
maneira, a letra também adquire um ar de demolição da vida humana, colocando o
indivíduo usado e abusado, despido de sua dignidade. Destaque para: “amou...
como se fosse máquina”, “ergueu... paredes flácidas” e “e se acabou no chão
feito um pacote bêbado”.
Para
finalizar a composição, um arremate que revela o lado desumano e realista.
Apesar da vida desgraçada a que se submete, ainda se vê
obrigado a agradecer àqueles que detém o poder econômico, pela oportunidade de
lhe dar uma maneira de ganhar a vida, embora as condições de trabalho sejam
mais apropriadas para que venha a perdê-la.
Por
esse pão pra comer, por esse chão pra dormir...
Por
me deixar respirar, por me deixar existir...
Pelos
andaimes pingentes que a gente tem que cair...
E
pela paz derradeira que enfim vai nos redimir...
Deus lhe pague!
TEXTO: Paulo Cesar Paschoalini
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O articulista atua como colaborador deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista do autor, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
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