Nietzsche e 'De volta para o futuro'

"Somos um mísero planeta, vagando numa imensa escuridão, dentre outros trilhões de mundos e tudo o que tentamos fazer é ser uma fração de segundo."

REVISTA VICEJAR - ARTE E CULTURA ( Cinema )


É muito comum vermos filmes e séries, que abordam um tema muito instigante: Voltar no tempo e mudar erros do passado. Talvez o primeiro exemplo que venha na nossa cabeça é “De volta para o futuro”, na maravilhosa – ou nem tanto assim -, descoberta do Dr. Brown, juntamente com o McFly, que é possível viajar para o passado e assim consertar tudo aquilo que eles consideravam errado e necessitado de mudança.

No meio de ação, humor e “Johnny B. Goode”, pode ser que poucas pessoas questionem um conceito tão almejado por muitos: Um poder de saber o que acontecerá, como prevenir e mudar o rumo do futuro. Com isso, a ideia de se ter um DeLorean (carro do filme “De Volta Para o Futuro”, que faz as pessoas viajarem no tempo) é plenamente aceitável e confortável para as pessoas.

Agora vamos imaginar um pouco: Pense que, vagando pelas suas sombras mais obscuras, surge um demônio te dizendo que terás de viver repetidamente esta vida. Todos os grandiosos e pequeninos momentos, todos os prazeres e desafetos. Tudo, absolutamente tudo, seria igual. Entrarias em pânico, depressão? Seria tomado por uma terrível angústia? Ou acharia isso uma benção, pois viveu algo esplêndido, que vale qualquer dor e repetição?

Pois bem, isso foi, resumidamente, o que Nietzsche propôs em “Eterno Retorno”. Retornar vezes e mais vezes, vivendo a mesma vida, para muitos, seria uma baita maldição. Aquelas dignas de pesadelos e de livros do Stephen King, com finais sombrios e tensos. Eu até entendo quando o medo se trata da repetição por si, a questão é que o medo acompanha não somente o fato da repetição, mas a vida em que se leva, ou que se levou.

O desejo de retornar no tempo e mudá-lo, para mim, é algo realmente triste. A idealização de uma vida sem erros, sem arrependimentos, sem tristezas e dores, jamais será uma vida. Viver é essencialmente quebrar a cara, entender a pluralidade dos fatos e refletir sobre tudo aquilo que fizemos, inclusive com o que não concordamos.

Com isso você pode fazer inúmeras escolhas, tomar inúmeras decisões. Se tornar recluso da maioria; querer estar próximo de todos; se manter o mesmo que era antes; mudar totalmente... Mas veja, para isso acontecer, em momento algum o passado deve ser jogado fora, ou mudado, mas, sim, compreendido e questionado.

Convido o leitor a pensar comigo: somos os únicos animais, pelo menos até agora, que transcendemos nossos instintos. Desenvolvemos ética e moral, ciência e tecnologia. Somos um mísero planeta, vagando numa imensa escuridão cósmica, dentre outros trilhões de mundos e tudo o que tentamos fazer é ser uma fração de segundo, em um palco onde não há espectadores, a não ser nós mesmos.

E eu sou convicto que não há peças mais bonitas, do que aquelas que se apresentam com roteiros bem escritos e que mostrem suas falhas. Não estou pedindo que se maravilhem com seus erros e confusões, mas aceite-os e, também, questione-os e, a partir deles, construa tudo aquilo que concordar e desejar.

O que é mais assustador: desejar, por erros, mudar seu passado e anular quem tu és hoje, admitindo, diretamente, uma insatisfação com o seu único espaço de tempo, do qual temos certeza, no universo? Assim tu admites não apenas uma impotência no controle do teu presente e das tuas ideias, mas, também, assume que foi incapaz de refletir sobre tudo que já viveu. Ou então, passará dia após dia, noite após noite, pensando no temido diabo de Nietzsche?

Assim, para chegar à conclusão que, se já não tiveres feito algo de grandioso enquanto vivo, viverá todos os dias tentando e desejando ser e viver da maneira que és, fazendo o que queres, buscando um propósito que te alimente. Questionando, refletindo e, por fim, se tornando relevante, num cardume de peixes irrelevantes, que nadam sem parar, num oceano cósmico, onde sequer somos vistos.

Não temam as falhas, fraquezas, incertezas e dúvidas. Temam no dia em que vocês não tiverem nada disso, pois assim você estará morto, seja no sentido literal, ou figurado. Um humano sem propósitos é como um universo sem estrelas.









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