"... Uma parte de mim é multidão /
Outra parte estranheza e solidão..."
REVISTA VICEJAR - ARTE E CULTURA ( Música )
Traduzir-se
(Composição:
Ferreira Gullar e Raimundo Fagner)
Uma parte de mim
É todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim
É multidão
Outra parte estranheza
E solidão
Uma parte de mim
Pesa, pondera
Outra parte
Delira
Uma parte de mim
Almoça e janta
Outra parte
Se espanta
Uma parte de mim
É permanente
Outra parte
Se sabe de repente
Uma parte de mim
É só vertigem
Outra parte
Linguagem
Traduzir-se uma parte
Na outra parte
Que é uma questão
De vida ou morte
Será arte?
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José Ribamar Ferreira, pseudônimo de Ferreira
Gullar, foi escritor, poeta, crítico de arte, tradutor, biógrafo, ensaísta e
memorialista brasileiro, que nasceu em 1930 e faleceu em 2016. É considerado um
dos maiores expoentes da Literatura brasileira no século XX.
Dentre sua vasta obra, destaca-se o texto “Traduzir-se”,
uma de suas poesias mais conhecidas, que compõe o seu livro “Na vertigem do dia”,
do ano de 1980. No ano seguinte, o cantor, compositor,
instrumentista e produtor cearense Raimundo Fagner lançou o álbum “Traduzir-se”,
em que consta a música de mesmo nome, cuja letra é a poesia de Ferreira Gullar.
Perguntado de onde surgiu a
inspiração para escrever esse aclamado texto, Gullar disse que estava
caminhando pela cidade, com os pensamentos envoltos em inúmeros problemas
particulares, quando foi abordado por um casal que perguntou se ele era o famoso
poeta. Ele, no entanto, respondeu muito laconicamente que era, sim - trocando
poucas palavras com essas pessoas.
Horas depois, à caminho do lugar para onde
seguia, percebeu que, por não estar vivendo um momento favorável, não foi suficientemente
receptivo e atencioso para com o casal. Isso despertou nele o questionamento de
quem de fato seria ele; se o poeta repleto de sentimentos, ou aquele cidadão
comum, que às vezes não consegue relacionar-se minimamente com outras pessoas?
Assim, ao pergunta-se “quem sou eu?”, veio
à sua mente, subitamente, o trecho “uma
parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém, fundo sem fundo” e,
segundo ele, a partir desse questionamento, a poesia foi desenrolando-se, até
culminar no texto consagrado que se tornou.
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