Calmaria

“Calmaria é saber ser sutil na hora da dor. Calmaria é navegar em tempestades.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


O silêncio abre as cortinas da sala. Permito que o vento me abrace, durante alguns instantes. No vai-e-vem da cadeira de balanço, meu corpo pesado, agora é leve e desprovido de tempo e espaço. E a minha mente, antes cansada, apenas festeja a constatação de que o vazio é tudo aquilo que preciso.

O silêncio abre as horas, o tique-taque do relógio já não me acossa. É bom assistir ao balé dos ponteiros. São passos bem ensaiados, e, embora tristes, eles exibem a vida em mim.

Nessa calmaria do meio-dia, pouco me importa o que virá. Na esquina, pressinto os passos alegres e desenfreados de alguns estudantes. Longinquamente, a buzina do sorveteiro é canção singular, da tarde que se desenha, no colorido de um azul fumegante.

A vida passeia ao seu modo lá fora. Com seus pássaros gorjeando melodias que ninguém nunca se atenta em ouvi-las. No entanto, eu canto e encanto um pouco dessa vida vespertina. E proclamo com ela, os ruídos da tarde: o tilintar dos talheres e copos anunciam que o vizinho ao lado almoça; os cães ao latirem, alertam os movimentos dos transeuntes e o avião que se esconde entre as nuvens, exalta a partida de alguém.

Quem vai, um dia volta. Nem que seja de verdade, ou na forma de uma recordação: nas páginas de um livro, na palavra nunca dita ou nas fotografias perdidas. Na calmaria que tenho, a tarde se aninha em mim, serena e pacífica como um casal de idosos, que imagino sentados, no banco de uma praça. Esperando a vida acontecer, para em seguida adormecerem, juntos com os nossos sonhos.

Silêncio não é omissão. Ele é o grito maior, a rebeldia que expressa educação. Calmaria é saber ser sutil na hora da dor. Calmaria é navegar em tempestades.

O relógio fecha as horas e mais uma vez, disponho minha vida ao tempo. Deixo a cadeira de balanço. Apenas meu fantasma representa o vazio. Fujo das obrigações, renego deveres. Prezo pelo hoje, para viver o amanhã. Do meu desvario, abro a janela, o entardecer se apresenta feito um lençol maculado, enfeitado de purpurinas. Enquanto isso, os sapos coaxam, são seres solitários como eu.


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
_______________________________________________
A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

Comentários