Itinerante

“Estamos apenas perdidos, entre tudo e todos. Inteligência só é válida se for artificial.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


As roupas já estão sobre a cama ao lado da mala. Logo, inicio o ritual de prepará-las para mais uma viagem. O voo se aproxima, na cadência de que o tempo devora nossos instantes. Dividimos nossa vida, entre o antes e o depois. E, o agora se torna uma suposição que não deveríamos subestimar.

Diante da iminência de partir, vejo-me ainda rodeada pelas paredes nuas do quarto. Viajo em meus devaneios e receios. No entanto, a minha mala está aqui, aberta para receber meus sapatos batidos. Dependendo para o lugar que irei, viajar me permite deixar alguns rastros, enquanto encolho lembranças boas ou não, na bagagem da memória.

O coração da gente precisa ser algumas vezes itinerante. Dormir em outras casas nos torna mais vivos e também altruístas. Pisar em terras desconhecidas e remotas é ser gigante na sua própria aldeia. E isso nos faz supremos.

Blusas, calças e algumas esperanças. Socorremos nossas angústias para dar continuidade à nossa existência. Perseguimos o tempo, contudo ele voa na medida do nosso desprezo.

Abro uma gaveta e encontro alguns cartões-postais. Em cada letra exposta, uma revelação de espírito. Em cada destino escolhido, um abrigo. Abraço cada um deles para eternizá-los em mim. O para sempre também pode se resumir no fim de tudo.

Lutamos contra quem? Contra os sonhos que idealizamos ou contra a debilidade que contemplamos? Estamos apenas perdidos, entre tudo e todos. Inteligência só é válida se for artificial. Humanismo é para a insensatez. Exaltamos os punhos cerrados e não o coração de portas abertas. Proferimos pensamentos soltos, que se perdem na imensidão do nosso eu.

O telefone toca, o táxi me espera próximo ao canteiro. De mala pronta, sigo. No carro, o motorista me cumprimenta com um “Boa tarde”. Sorrio e tento ser recíproca. Desço o vidro da janela, uma nuvem pesada anuncia a chegada de uma tempestade. Inspiro fundo, e antes do automóvel dobrar a esquina, vejo uma pombinha se aninhar debaixo das telhas lodosas da casa em que moras.



 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

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