Coleções

“Na infância, também fui colecionador. Tive a fase de colecionar figurinhas de chiclete.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


 _____

_____Somos todos colecionadores. Colecionamos selos, borboletas, cartas e papéis de cartas, fotografias e cartões postais, actions figures, recortes de jornais, experiências, paixões. Sobretudo, lembranças.

_____Em criança, assisti na televisão uma entrevista com o bibliófilo José Mindlin. À noite, a palavra bibliófilo não saía do meu pensamento. Da cama, olhei para a estante: algumas revistinhas, a coleção do Rei Canequinho e dois volumes do Monteiro Lobato. Heróis japoneses tentavam protegê-los das traças e do tempo. Invejei o “Seu” Mindlin... Mas inveja de menino Deus perdoa, como diz o outro.  

***

_____Quando Dona Lurdinha comentou que colecionava pedras, eu ri. Achei ridículo. Imaginei sua casa lotada daquelas pedras cinzentas que ficavam entre os dormentes e os trilhos da ferrovia. Ou de pedra britada que caía das carroças e usávamos para marcar o jogo da amarelinha. Dias depois, a professora levou para a aula um estojo de madeira. Dentro, parte de seu acervo. Constatei: o ridículo era eu. Protegidos pela tampa de vidro, entre divisórias de igual tamanho, pedras e minerais variados: quartzo rosa, ametista, opala, amazonita, jaspe vermelho, ágata, turmalina negra, topázio, feldspato, obsidiana azul e outros que não recordo mais. Lembro, todavia, que as pedras da Dona Lurdinha colocaram no chinelo as pedrinhas brancas do parquinho da escola. Naquela manhã, a aula sobre minerais e rochas fez mais sentido.

***

_____Vovó partiu quando em mim mudavam o humor, o corpo, a voz. Mudava-me, afinal, o jeito de olhar o mundo. “Foi descansar na eternidade”, disseram. Deixou, a título de herança, um Papai Noel do Paraguai que piscava luzinhas vermelhas nos olhos (alegria de minha meninice) e um monte de dinheiro antigo. Guardara em uma caixa de sabonetes, durante muitos anos, dezenas de cédulas e moedas. Ninguém brigou pela herança. Os réis, cruzeiros, cruzados e cruzados novos estão, desde aquele dia, no cantinho do meu armário, entre os livros e CDs. A caixa de sabonetes, contudo, não resistiu ao tempo. E o Papai Noel não funciona mais, mas adorna com nostalgia, todos os anos, minha mesa na ceia natalina.

***

_____Na infância, também fui colecionador. Tive a fase de colecionar figurinhas de chiclete. Todo dia, depois da aula, passava nas vendas e bares para comprar Ping Pong. Trocando as repetidas com os colegas e ganhando muitas no bafinho, completei vários álbuns. Naquele tempo, apenas duas preocupações: completar os álbuns e não engolir o chiclete (grudava nas tripas, diziam). Passei tardes incríveis memorizando a fauna do Pantanal e da Amazônia, as bandeiras e mascotes das seleções que disputavam as copas mundiais de 1990 e 1994, as curiosidades dos Records Guinnes, os nomes de cidades e capitais mundiais.

***

_____Na juventude, o pai colecionava chaveiros. Guardou-os em uma caixinha de madeira. Na tampa, escrito dentro de dois corações: EU e ELA. Vez em quando a abria e me deixava mexer nas suas relíquias. Passei a contribuir para o acervo: todo chaveiro que eu ganhava de brinde no comércio ou nas festas de escola guardava na caixinha. Exceto os chaveiros de bonequinhos. Desses arrancava a argola e a correntinha, rapidamente os levava para se enturmar com outros bonecos. Muitos viraram aliados de aventuras dos Comandos em Ação. Pequenos, cabiam perfeitamente na boleia dos caminhõezinhos e nos carrinhos de plástico. Alguns resistiram ao tempo, como o Mickey e o Garfield que, nesse momento, me observam da estante. Certamente zombam dessa minha mania de escrever tolices melancólicas. Quanto à coleção do pai, está perdida em um canto qualquer da casa. Como a nossa juventude.


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritos de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", livro de contos, pela Editora Porto de Lenha, em 2020. Divulga seus escritos na página "Algumas Reminiscências Poéticas", no Facebook e em seu perfil do Instagram. Publica também os poemas no site "Recanto da Letras" e crônicas no "medium.com" e em seu blog pessoal "Raphael Cerqueira Silva - Escritor".
_______________________________________________________________
O articulista atua como Colaborador deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista do autor, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

Comentários

  1. A caixinha dos chaveiros tá guardadinha, e os álbuns com as figurinhas, qualquer dia vai sair do arquivo.

    ResponderExcluir
  2. Que bacana! Me remeteu à minha infância! Grande abraço no coração de todos!

    ResponderExcluir
  3. Voltei no tempo. Muito lindo tudo isso!

    Lucy Almeida

    ResponderExcluir

Postar um comentário