Dias estranhos

"Sigo minhas observações, nunca me atentei para o globo-terrestre que enfeita também a mesa. O mundo é grande, tenebroso, mas ao mesmo tempo gracioso." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Abro os olhos, entre quatro paredes, meu coração saltita dentro do peito. Lá fora, cães latem como se estivessem a querer conversar com alguém. Afasto as cortinas, um dia estranho se desenha para mim, esquinas vazias são cenários surreais, carros vagam sem destino e aviões traçam o horizonte até se esconderem entre as nuvens. 

_____A vida timidamente parece se render ao medo. Sitiada, curvo-me sobre a escrivaninha, na tentativa malograda de rabiscar a solidão. Livros perfilados nas prateleiras das estantes, testemunham o movimento da caneta, a friccionar a folha de papel. Neste ermo que me aninho, sorrio para os porta-retratos sobre a mesa. Quantas histórias não há por trás de uma fotografia? Tempos bons, momentos únicos, minutos paralisados, eternizados pelo apertar de um dedo. 

_____Sigo minhas observações, nunca me atentei para o globo-terrestre que enfeita também a mesa. O mundo é grande, tenebroso, mas ao mesmo tempo gracioso. Como pode nossa morada ser composta por água, terra, fogo e ar? Aqui habitamos, escrevemos nossa história, circulamos entre vidas, deixamos nosso legado... 

_____Vida que se vai e meus olhos seguem o silêncio. Não há conversa, qualquer tipo de diálogo, estou assim, reclusa em meio aos meus pensamentos — que se abrigam ora no instante, ora no fato já consumado. 

_____Nesse desnorteio, a única certeza na qual me lanço é que o amor para sempre será infalível. E onde ele faz morada, floresce de alguma forma o respeito. Dia após dia, a sobrevivência se faz necessária. Respiro palavras, sons, gestos, sentimentos. Se pudesse, eu abraçaria o mar, visitaria a lua, roubaria o teu sossego e semearia a alegria nas hortas inférteis. 

_____Os dias são estranhos, nossos passos tétricos, equilibram-se no hoje, que se despede para trazer o amanhã. Na dúvida que nos sustenta, afundamos em terreno arenoso. Entre tantos pensamentos, a vida sucumbe, esperneia palavras, galanteia novas emoções. Do lado de lá, o pavor tenta nos neutralizar. No entanto, ele esquece, aqui dentro sacoleja um coração que bombeia um tanto de dor, mas também, figura uma prosa de amor. 


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame é escritora, poeta e professora nascida em Manaus. É autora dos livros: "Português Amoroso" (2020) e "Cactos e Tubarões" (2023). Foi finalista do Prêmio Selo Off Flip (2022), na categoria conto e vencedora do 6º FLIM (2023), promovido pela Academia Volta-redondense de Letras com o conto: "Professor Jeremias Bartolo". 
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