Só por curiosidade...

"A sociedade em que estamos inseridos dá-nos os alicerces para nos moldarmos e a nossa identidade é construída a partir dos nossos círculos sociais e culturais, e não da nossa própria e única vontade." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )  

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_____Recordo-me de ter lido, certo dia, uma citação que, de alguma forma, teve em mim um impacto profundo. Dizia o seguinte: “Cinco minutos depois de nasceres decidem o teu nome, a tua nacionalidade, a tua religião e tu passarás o resto da tua vida a defender coisas que nunca escolheste”.

_____Dei comigo a pensar que, de facto, aquelas palavras não deixam de ter a sua razão, bem como os seus pontos questionáveis. E, independentemente da opinião de cada um, acredito que algumas pessoas mais atentas – que não vejam esta simples frase como uma espécie de expressão clichê pela qual fingem interessar-se, mas que lhes desaparece dos olhos logo nos segundos seguintes – farão uma pausa para refletir sobre a sua própria identidade e as suas crenças. Motivo pelo qual me parece que até a mais banal das frases, surpreendentemente, pode conter em si uma grande filosofia.

_____Comecemos, então, pelo nosso nome e nacionalidade. Obviamente que os “cinco minutos” apontados, são uma metáfora e aqueles dois serão algo que, eventualmente, já estará decidido há muito tempo. A não ser que o nome seja pensado no momento de fazer o cartão de cidadão ou que o momento do nascimento aconteça dentro de um avião que esteja a sobrevoar uma fronteira. Ou ainda, como foi o meu caso, que acabei por nascer na cidade eleita pela minha mãe.

_____Ora, se quando nascemos nos for dado um nome que, como é evidente, não pudemos escolher, e posteriormente não gostarmos, vamos ter que viver com ele para sempre. Ou dependendo das leis de cada país, esperar vários anos até conseguir deixar de o ouvir, depois de o trocar por outro. Até lá, não há nada que se possa fazer.

_____Continuando com a questão da nacionalidade, dados credíveis indicam que cerca de um em cada seis bebés no mundo, nascem na Índia. Neste momento, o país mais populoso do planeta. A verdade é que todos teríamos, aproximadamente, 17% de hipótese de nascer lá. E o certo é que não temos controlo algum em relação ao local onde nascemos.

_____Por outro lado, o pior (ou melhor) dessa situação, é que isso define, na sua maior parte, o percurso da nossa vida. As nossas condições, a nossa mentalidade, o nosso rumo, etc. O mínimo de uns é o máximo de outros, a sorte de uns é o azar de outros, e por aí vai. Um exemplo: um indivíduo que nasce num país que lhe permite ter possibilidades financeiras para conseguir formar-se como piloto de linha aérea ou, pelo contrário, alguém pobre, nascido e criado numa região de fracas ou quase nenhumas condições e que, para além de qualquer sonho que possa ter acaba, como dizem na minha terra, a ver navios.

_____Dando seguimento a este tópico, o local onde se nasce influencia muito algo que está presente na vida de todos: a sua religião. Como defendia Aristóteles, a ética e a moral estão ligadas à comunidade onde estamos inseridos.

_____Uma criança que nasceu e cresceu num país oriental terá, muito provavelmente, crenças típicas dessa região. Já nós, europeus e latinos, seguindo diferentes princípios ideológicos daqueles, podemos estranhar muitos dos seus valores, tradições ou normas socioculturais. Adotam-se, inconscientemente, doutrinas e costumes específicos.

_____Assim, a sociedade em que estamos inseridos dá-nos os alicerces para nos moldarmos e a nossa identidade é construída a partir dos nossos círculos sociais e culturais, e não da nossa própria e única vontade. Possivelmente, mais tarde na vida, podemos, sim, questionar-nos sobre quem efetivamente somos, porém poderá já ser tarde para voltar ao ponto zero... e, ainda que tal seja viável, quem nos garante que seria diferente?

_____Em resumo, e voltando à expressão do início do texto, “...passarás o resto da tua vida a defender aquilo que não escolheste”. Desde o nascimento, e sem voto na matéria sobre muito do que nos diz respeito no início da vida, somos o resto do tempo grandemente influenciados e manipulados mas, ironicamente vivemos, quase todos, sempre com a certeza de sermos quem escolhemos ser.

_____Só por curiosidade... já pensaste na hipótese de que até não escolheres nada, não deixa de ser uma escolha? 


 



 TEXTO: Lara Lima 
Nascida em 2009, natural de Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia, Portugal, Lara Lima sentiu desde a primeira infância, vocação para as áreas desportivas, iniciando a prática de taekwondo aos 3 anos de idade. Mais tarde, dedicou-se à modalidade futsal e, posteriormente, ao jogo de ténis. Atualmente, integra uma equipa de futebol feminino da Associação de Futebol do Porto. Incentivada desde pequena ao prazer da leitura, por parte dos pais, e acompanhante dos mesmos em eventos e tertúlias poéticas, começou, há poucos anos atrás, a ganhar gosto pela escrita, tendo ganho o primeiro lugar num concurso de poesia promovido, em 2021, pela escola onde é estudante, subordinado ao tema sobre o 25 de Abril em Portugal. O desenho, a fotografia e o estudo do comportamento humano, são ainda outros dos seus campos de interesse, aos quais se dedica nos momentos de lazer. Em janeiro de 2024 recebeu seu primeiro convite, por parte da Revista Vicejar, para ser colaboradora da mesma, com textos de sua autoria. 
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora. Publicação autorizada pela pessoa responsável.

                                               

Comentários

  1. Nem sequer podemos escolher quem irão ser os nossos progenitores. Neste caso, Lara, sorte tua. É caso para dizer e passe o lugar comum, "quem aos seus sai não degenera". Excelente prosa. Parabéns.

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    1. Obrigada, Henrique. Fico contente que tenha gostado da crónica.

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