“Por baixo das águas geladas, há um mundo muito maior e robusto de trabalho árduo, paciente e persistente.”
REVISTA VICEJAR – ARTE E CULTURA ( Poesia )
O grande ofício
(Elaine Regina Vaz)
Poeta, poeta,
o teu império é feito de pedra,
de pedra pesada, maciça,
da pedra que tu cortas, lapidas,
da pedra que te fere e te eleva.
São tantas pedras, poeta.
Pedra lisa, pedra áspera,
pedra
— todas alinhadas pela tua destreza.
E tu não sabes se é milagre,
bênção, fardo ou maldição.
Mas o teu trabalho é nobre, poeta.
Aguentas no corpo o peso da palavra,
dás ao outro o sopro vivo da canção.
Quando eu escolhi a palavra “pedra” como o cerne do poema “O grande ofício”, eu não quis, de forma alguma, fazer uma alusão a um poema famoso de Carlos Drummond de Andrade. Mas, para nós, poetas, realmente, há sempre uma pedra no meio do caminho, na verdade, muitas pedras no meio do caminho, seja na vida ou na poesia.
Com a escolha da imagem da pedra, eu quis realçar o peso e a dureza de lidar com as palavras. Se o poema fosse uma pirâmide do Egito, o poeta seria o homem corajoso e determinado que carrega, sozinho, uma por uma, cada pedra necessária à construção do seu monumento.
Então, não, a relação entre o poeta e a sua criação não é fácil. Existe, sim, a tão aclamada inspiração, o jato criativo, o insight. Mas, no geral, essa é a ponta majestosa do iceberg. Por baixo das águas geladas, há um mundo muito maior e robusto de trabalho árduo, paciente e persistente.
Essa “dureza” do fazer poético, volta e meia, é foco dos escritos literários, não só meus como de outros autores. Há um poema de Olavo Bilac, por exemplo, que aborda isso. Vejamos um trecho do “Inania Verba”, título em latim que quer dizer “palavras inúteis”:
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
Destaquei essa primeira estrofe porque ela retrata bem um sentimento que acomete, se não todos, a maioria dos escritores. Em relação ao poeta, eis que o poema, quando nasce, parece ao seu criador ter vindo diretamente das mãos de Apolo, deus da poesia na Grécia Antiga, com versos inteiramente escritos em ouro e dignos de serem a representação máxima da beleza na Terra. Entretanto, no dia seguinte, vê-se que o ouro era tinta vulgar dando expressão a um rabisco que parece ter vindo de um tolo, um míope ou um bêbado (ou as três coisas juntas).
Essa experiência é tão comum no meu dia a dia como escritora que já estou habituada e a vejo como perfeitamente natural e até desejável. Eu sei, antecipadamente, que aquela beleza mágica inicial do que produzo é efêmera e que só o dia seguinte (os muitos dias seguintes), a pausa, os olhos com um novo frescor vão me apontar a verdade sobre o texto e tornar transparentes todos os seus defeitos. Tal questão é também lindamente relatada por Fernando Pessoa num trecho do “Livro do Desassossego”:
“Com que vigor da alma sozinha fiz página sobre página reclusa, vivendo sílaba a sílaba a magia falsa, não do que escrevia, mas do que supunha que escrevia! Com que encantamento de bruxedo irónico me julguei poeta da minha prosa, no momento alado em que ela me nascia, mais rápida que os movimentos da pena, como um desforço falaz aos insultos da vida! E afinal, hoje, relendo, vejo rebentar meus bonecos, sair-lhes a palha pelos rasgos, despejarem-se sem ter sido...”
Fica claro que o fazer poético tem seus percalços, dificuldades, que é tão belo, quanto arredio. E eu não sei mesmo se esse ofício é bênção, fardo ou maldição, mas sei que o poeta se sujeita a essas asperezas por amor ao que faz, porque precisa da poesia na sua vida. Porque, como Rainer Maria Rilke disse no livro “Cartas a um jovem poeta”:
“Basta, como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo.”
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TEXTO: Elaine Regina Vaz
INSTAGRAM: @elainereginavaz_______________________________________________________________
Parabéns!... Enquanto lia,
ResponderExcluirsenti toda e perfeita sabedoria,
das palavras bem alinhadas,
e cientes do dizeres....Amei!...💝🤗👏👏👏👏👏👏👏
Você é um amor, Francisca, muito, muito obrigada.
ExcluirTudo muito lindo! Não tem como não se encantar com um texto como esse!!!
ResponderExcluirVocê é INCRÍVEL, Paulo, muito obrigada. <3
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