O que nos contam as guerras?

“A guerra é a falência humanitária expressa na incapacidade dialógica de resolução de demandas e conflitos.”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES


A agilidade e a efemeridade que figuram no mundo Pós-moderno com tanta intensidade, talvez sejam as principais razões para que se ofusquem, de certo modo, a percepção e a significância das guerras e seus desdobramentos nas sociedades.

O tempo é um inimigo silencioso da memória e, nesse sentido, consegue auxiliar magistralmente aos interesses vigentes a fim de manipular e persuadir as gerações, fazendo-as tender para uma sensibilização, de algum modo,  controlada.

Não é à toa que o povo judeu, por exemplo, se esforça tanto para manter viva a memória dolorosa do Holocausto. Para que de geração em geração não sejam esquecidos os horrores, as perversidades, as brutalidades arbitrárias impostas pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Depois disso, outras guerras se sucederam entre nações. Até que, mais recentemente, em pleno século XXI, o mundo assistiu de perto a Guerra na Síria e o deslocamento forçado de milhões de pessoas em busca de refúgio. Um conflito que pode ser registrado e exibido em tempo real, por conta das tecnologias.

O planeta pode ver e avaliar a dimensão do significado daquelas imagens, daqueles relatos, daquele sofrimento estampado e marcado nos rostos de milhares de inocentes. Sem contar o fato da expansão brutal dos campos de refugiados e as travessias desesperadas em busca de um recomeço de vida, de um mísero quinhão de paz e dignidade.

E se não puderam se consternar efetivamente diante de tudo isso, ao menos não podem alegar ignorância e desconhecimento a respeito. A guerra é a falência humanitária expressa na incapacidade dialógica de resolução de demandas e conflitos. Portanto, ela esfacela tudo o que vê pela frente, até que não reste nada. Nada de pessoas. Nada de dignidade. Nada de esperança. Nada de material. Nada... Resumido na polarização entre pseudo vencidos e pseudo vencedores.

Porque a verdade é que não há vitória em nenhuma guerra. Ela termina pela exaustão em todos os níveis humanos e materiais. A rendição é só um ponto de vista para se escrever no papel. Porque no fundo todos estão rendidos pela dor, pelo desespero, pela brutalidade, pela incapacidade de restabelecer o diálogo, a civilidade.  Daí o nada ser tão somente a representação da extensão da perda.

Por isso, quanto mais à guerra se arrasta maior é a destruição e o volume dos escombros; bem como, maiores são os desafios da reconstrução. A começar pelas identidades que foram abruptamente ressignificadas. Do mesmo modo, as emoções, os princípios, as perspectivas, as expectativas. A guerra, seja ela qual for, faz um reset na sociedade. Ela redefine a vida ao zero da escala para, a partir desse ponto, ser reiniciada.

De modo que, se a guerra em si é amarga e cruel, o pós-guerra é ainda mais terrível. Recomeçar sob uma atmosfera tão tensa, tão pesada, tão surreal não é uma tarefa simples para ninguém. Infelizmente, a destruição só faz visibilizar as mazelas sociais de ontem, de hoje e de amanhã. A pobreza é maior. A miséria é maior. A violência é maior. O desemprego...

Além do fato de que se criam inimigos, os quais passam a assombrar o imaginário sem trégua. Há a construção de uma espera altamente desgastante pela investida bélica do outro. Essa paralisia que se institui, portanto, impede o fluxo natural do desenvolvimento e de quaisquer projeções de progresso. Porque nessa espera todos os recursos se voltam para o conflito que vai, assim, alimentando a si mesmo e subnutrindo o resto.

Portanto, qual o valor teria a “massa falida” de uma terra arrasada pela guerra? Talvez, a subserviência em nome da sobrevivência. Tempos de experimentação a uma nova proposta “neocolonialista”. Um mergulho aos abismos da indigência contemporânea. Um choque de realidade com altos requintes de barbárie.

Não é sem razão que a ideia de que “os fins justificam os meios” já foi derrotada há tempos, especialmente na materialidade de tantas guerras e conflitos. Guerras não são fins e nem meios, como muitos querem crer. Aliás, como escreveu Leon Tolstói em sua obra Uma Confissão, “errado não deixa de ser errado porque a maioria compartilha”.

A verdade é que o mundo tem problemas demais para se precisar de pequenos pretextos e estopins fabricados a luz de ideias medíocres e mesquinhas, de narcisismos sórdidos, de ultrajes delirantes. Desse modo, não nos esqueçamos de que “antes de falar sobre o bem da satisfação das necessidades, é preciso decidir quais necessidades constituem o bem” (Leon Tolstói); só assim, as guerras poderão permanecer ao nível de conjecturas desvairadas e, por sorte, distantes do alcance das mãos e da razão.








BLOG: emprosaeverso-alr
Alessandra Leles Rocha é natural de Uberlândia, Minas Gerais. É Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre em Geografia (Área de Concentração: Análise, Planeamento e Gestão Socioambiental) e Graduada em Letras – Habilitação em Inglês e Literaturas de Língua Inglesa, todos pela Universidade Federal de Uberlândia. Passou a dedicar-se à literatura, a partir do segundo semestre de 2004, publicando seus textos na Internet. A partir de 2006, tem sido classificada em concursos literários e recebido várias premiações. Foi agraciada com diversos títulos, certificados e diplomas como membro de entidades voltadas para as áreas cultural e literária. Atualmente, dedica-se aos seus Blogs, o http://alrocha-antenacultural.blogspot.com.br/ (Educação, Cultura e Cidadania) e o https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/ (Literatura e a Linguística); bem como, colabora com o site Para Ler & Pensar e o Portal Mhario Lincoln do Brasil.
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