REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Pelo avançar dos dias surgem-nos, por vezes, coincidências às quais podemos chamar, no mínimo, de curiosas. Ainda assim, gosto de pensar que serão, porventura, muito mais do que isso.
_____Foi, quem sabe, uma dessas coincidências aquela que me sucedeu quando, há tempos atrás, uma pessoa me falou numa bela estória de fantasia, enquanto me garantia que, se não a conhecesse, a iria apreciar bastante. “Porque nela te revi.”, disse-me.
_____E certa de que quem isto afirmava me conhecia suficientemente bem para fazer tal constatação, foram poucos os minutos que demorei a descobrir do que se tratava.
_____Com os olhos postos no monitor do computador, a emoção ganhava terreno à medida que o coração se envolvia na ternura das imagens que visualizava. E as memórias faziam-se presentes, ao transportar-me para a minha infância e para a minha boneca de eleição e estimação que me ofereceram ainda criança, e à qual, assim que a vi e sem hesitação, dei o nome de Lila.
_____Lila cresceu ao meu lado, amiga de confissões e confidências. Com ela partilhei o jardim secreto dos meus sonhos, o meu desejo maior de transpor a realidade e, através de um simples desenho, transformar a vida numa aguarela. Porque, afinal, a imaginação é essa sensível arte de ser capaz de viver de mãos dadas com a própria arte.
_____Lila, a boneca em que me inspirei para escrever histórias de pessoas feitas de luzes e sombras delicadas, que dão esperança aos outros para avançar e brilhar no mundo e para o mundo.
_____E assim, o meu espanto aumentava à medida que descobria as estórias dessa outra “Lila”, naquela curta-metragem, de 2014, dirigida pelo produtor argentino Carlos Lascano, onde cruzamos os sentidos com uma rapariga que detém em si a capacidade de tornar o mundo um lugar mais especial. A enternecedora história de Lila, a menina que vê com os olhos da alma.
_____A simplicidade imaginativa e inocente de uma sonhadora que, através do desenho, transforma a tristeza em alegria com o desejo das mãos e do coração, em uníssono. Magia apenas ao alcance de quem consegue brindar a vida com fantásticas matizes coloridas e a certeza confiante de conseguir transpor o impossível.
_____A criatividade e a ilusão num mundo real. E a vida deixa de ser apenas num mundo para passarem a ser mundos de vida. Os mundos de vida de Lila que, com o silêncio agasalhado no olhar, namora a pureza das próprias quimeras e cuja felicidade lhe nasce da linguagem interior, revelada no dom de semear o perfume dos seus sentimentos mais nobres.
_____Lila segue, meiga, entre a última estrela da noite e a primeira respiração do entardecer, a colorir a alma dos que a rodeiam, com o encanto do feitiço na pontinha dos dedos. Desse modo se vai compreendendo também a si mesma na emergência dos afetos.
_____Um olhar sobre os gestos mais simples da vida e talvez todos fossemos capazes de algum dia, tal como Lila, ser fazedores de histórias. Das extraordinárias histórias que guardamos dentro de nós, a esperar um sopro que lhes dê vida. Porque, acredito, é da vontade e das aspirações que o coração do universo ganha outra dimensão.
_____A minha Lila viveu até há uns poucos anos atrás. Mas também teve que partir, como partem todas as mais bonitas conquistas que nos iluminam a vida. O mais incrível é que, dentro do seu vestidinho azul salpicado de pequeninas flores, tinha igualmente o mesmo rosto alvo, os mesmos olhos verdes e os mesmos cabelos louros da Lila de Lascano. Uma boneca com semblante de menina.
_____Em ti, Lila, encontrei a pureza que tão só o enlevo dos devaneios compreende e contigo abracei a minha infância de doces e sentidas afeições que continuam, ainda hoje, a sorrir-me. Naquele dia, vieste recordar-me a beleza dessa memória.
TEXTO: Paula Freire
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Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal. Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas das Relações Humanas e do Auto-Conhecimento, bem como à prática de clínica privada. Desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, tendo colaborado regularmente com publicações em meios de comunicação da imprensa local. O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras poéticas lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021. Há alguns anos, descobriu-se no seu ‘amor’ pela arte da fotografia onde aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
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