“Duas noites antagonistas se revelam para mim. A melancólica fica lá embaixo, observando os prédios. Já a alegre, aqui vive, disposta a abraçar o meu destino."
REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )
_____Noite de janeiro, em Guarulhos, uma garoa noturna visita os ares paulistas. No saguão do aeroporto, espero meu voo para Maceió. Pela vidraça, vejo o tempo ranzinza, de um céu completamente ruborizado. Aviões sobem e descem, desfilam seu cintilar na pista de pouso.
_____No vai e vem de todo aeroporto, passageiros apressam seus passos, carregam bagagens, lembranças, sonhos. Em minha solidão, minuciosamente, procuro a confirmação do meu voo, entre tantos outros, exibidos no monitor frente à cafeteria.
_____Depois de algumas horas, chega o momento de partir. Enfileirados, viajantes de todos os tipos, tamanhos e educação esperam pelos procedimentos de embarque. Gentilmente, apresento meu bilhete. Sigo pelo corredor, que me leva à aeronave. Acomodo-me na poltrona, ao lado da janela que não para de transpirar. Luzinhas na ponta da asa piscam em meio à densa cerração.
_____Pouco a pouco, o avião inicia sua operação de decolagem. Afivelo meu cinto e lá fora o tempo continua nublado. Penso em turbulências, mas elas não me assustam. O lar das nuvens é o lugar mais lindo que existe.
_____ “Tripulação preparar para a decolagem!”. Levantamos voo, sinto cócegas no estômago. Não olho nem para quem senta ao meu lado. Minha atenção é toda para esse gigante de força única.
_____Colossal, o Boeing busca o horizonte, rompe os segundos para alcançar a altitude necessária. Vejo que as nuvens, antes sisudas e mal-humoradas, gradativamente recebem resquícios de uma tonalidade alva. Não demora muito e para minha surpresa, como se fosse uma segunda noite. A lua aparece com todo seu resplendor, entre os farrapos de algodão angelical. Duas noites antagonistas se revelam para mim. A melancólica ficara lá embaixo, observando os prédios. Já a alegre, aqui vive, disposta a abraçar meu destino.
_____Quando vejo essa cena, volto ao ano de 1996, episódio em que pela primeira vez, li Rubem Braga, nas páginas de uma Gramática de Faraco & Moura. A crônica “A outra noite” (fica a sugestão de leitura, leitor), nunca deixou de voar em minha mente. Sinto-me como aqueles personagens vivenciando a dualidade noturna. De leitora, tornei-me protagonista. Acho que deve ser por isso, que minha viagem se tornou tão graciosa e inesquecível, assim como as crônicas, que a vida insiste em escrever sobre nós.
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