Das coisas bonitas que vivi (contigo...)

"Lia alto, de voz sonante, encarnando os personagens. Suas mãos gesticulavam cortando o ar, descrevendo cenas do conto que escolhera, abria muito os olhos para enfatizar cada momento." 

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica ) 

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_____Olhava-o deliciada, as suas mãos gesticulavam, teatrais, descrevendo cenas do conto que lhe escolhera ler. 

_____Lê-me algo, disse ela, algo teu, uma das tuas histórias. 

_____Ele escolheu. Leio sim, mas primeiro ouves isto. E pegou num livro de um dos seus autores favoritos, um poeta, um poeta maldito. 

_____Queria que ela o conhecesse, outro tipo de escrita, soubesse mais do seu mundo, do que o entusiasmava, o que o fazia vibrar. 

_____Edgar Allan Poe, definitivamente não seria a sua escolha, tão longe estava do seu registro romântico de Jane Austen e das irmãs Brönte. 

_____E era isso que a fascinava, esse mundo tão controverso e oposto ao seu, onde habitavam demónios, duendes perversos e horrores. 

_____Viu-o pegar no livro e escolher “The Tale-Tell Heart” (O Coração Denunciador) um conto de 1843, pelo nome já se afigurava algo macabro. 

_____Estavam deitados, despidos, meios corpos cobertos pelo lençol, virou-se de lado para o encarar melhor, e esperou que começasse... 

_____Ele, pôs os óculos, afinou a garganta, abriu o livro e... se transfigurou. 

_____Lia alto, de voz sonante, encarnando as personagens. Suas mãos gesticulavam cortando o ar, descrevendo cenas do conto que escolhera, abria muito os olhos para enfatizar cada momento. “Penso que foi o olho dele! Sim, foi isso! Tinha o olho de um abutre – um olho azul pálido recoberto por uma película”. 

_____Ela, olhava-o deliciada, hipnotizada por aquela voz, que lhe descrevia cenários lúgubres e suspeitos, nada amedrontada. 

_____Algures no meio, embrenhou naqueles olhos castanhos e se sentiu transportada para um outro mundo, alternativo. 

_____E o amou... Aquele homem, tão peculiar, com visões tão abstratas e adversas à sua. 

_____Já nem o ouvia, nem à história que descrevia entusiasticamente, apenas o olhava, deitado no seu leito lendo para ela, não poesia, nem romance, mas horrores... 

_____ “Não era um gemido de dor ou um lamento – oh, não! – era o som baixo, abafado, que emerge do fundo da alma tomada de espanto. Eu conhecia bem o som. Em muitas noites, exatamente à meia-noite, quando o mundo inteiro dormia, ele brotava do meu próprio peito, intensificando, com seu eco aterrorizante, os terrores que me perturbavam.” 

_____ “O olho do velho...” 

_____E se lembraria destas palavras infinitas vezes ao longo da vida. 

_____Um momento de ternura e tão cru. 

_____Dois corpos nus, despidos. Dois mundos opostos e paralelos, e um conto de terror... 


_____Mas que a seus olhos lhe soaria sempre, de amor. 




 


 

 TEXTO: Ana Acto 

FACEBOOK: http://www.facebook.com/anaacto 

Ana Acto, nasceu a 5 de abril de 1979 em Tomar, Portugal. Abriu em 2018 nas redes sociais uma página de autora com o seu nome onde partilha a sua escrita em poesia, prosa poética e reflexões. Escreve-nos sobre a vida, e sobre o amor em todas as suas vertentes, romantismo, perda, esperança e sensualidade. Participante ativa em saraus e tertúlias poéticas e coautora em mais de vinte obras coletivas. Lançou em 2020 o seu primeiro livro de poesia, intitulado “NUA”. Para além do gosto pelas letras, tem diversas formações em terapias holísticas e alternativas. 

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