Tardes de agosto

“Eu testemunhava sem cortes, a vida real daqueles que ganhavam a vida, nas ruas de Manaus.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


Nos meus tempos de universitária, o trajeto para chegar à universidade era exaustivo e agonizante. As tardes de agosto, para quem mora no andar de cima do país, são resumidas em temperaturas elevadíssimas e escaldantes.

Mais que isso era estar a bordo de um ônibus, que mais parecia uma lata de sardinha amassada, com cerca de 60 alunos, aproximadamente. Tempos árduos, nos quais com certeza, não se comparavam aos episódios, que meus olhos flagravam dia após dia. De segunda a sexta, quando o semáforo de um dos cruzamentos exibia o sinal vermelho. Eu testemunhava sem cortes, a vida real daqueles que ganhavam a vida, nas ruas de Manaus.

Reclinada no poste da esquina, uma módica idosa surgia. Ela usava um chapéu de palha que lhe cobria as têmporas grisalhas e as orelhas, as roupas eram gastas e batidas. E seus pés calçavam um velho par de sapatilhas. Seu rosto, pouco me recordo, mas devo dizer que vi algumas linhas do Sol delinearem seu semblante sôfrego. De carro em carro, oferecia seus modestos panos de prato. Poucos motoristas abaixavam o vidro da janela para atendê-la. No asfalto quente, a pobre mulher seguia com seus passos pesados e secos.

Dessa forma, eu sentia então, todas as revoltas do mundo. Difícil aceitar a situação daquela senhora. Suas forças limitadas, o vigor físico inexistente. A luta pela sobrevivência.

Eu não sabia a sua história, se tinha filhos, netos, marido. O lugar em que morava, o que gostava de fazer. Se acreditava em Deus, nos anjos, na vida. Tantas suposições, para nenhuma resposta.

O tempo se fragmentou. E com ele, os anos de faculdade. Formei-me, continuei minha vida. E no sol a sol de cada dia, eu sempre me lembro daquela mulher.

Em outra ocasião, cruzei o seu semáforo. Mas ela não estava mais lá. Talvez, já esteja na morada dos anjos, oferecendo seus panos de prato para os santos. No céu, quem sabe, as pessoas desprovidas de qualquer posição social, recebam mais atenção, mais amor, mais chances...

As tardes de agosto continuam tórridas e ensolaradas. Elas serão sempre assim, projetadas no horizonte, soberanas e únicas. Inspiradoras, transformaram a senhorinha do semáforo, numa personagem, que apesar de tantos anos, ainda representa em minha memória, a vida de tantas outras mulheres, esquecidas, nesse mundo de Deus.








 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso
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