A Baleia de Graciliano Ramos

Rapaz, não tô mentindo para você, não. Se você for andar pelo interior, você descobre cada nome de cachorro.”

REVISTA VICEJAR - ATUALIDADE E COMPORTAMENTO


Brasil, meu Brasil brasileiro

Nosso país tem dimensões continentais. Isso, todo mundo sabe. Todo mundo sabe também que a nossa cultura é riquíssima e multifacetada. Mas, mesmo sabendo de tais informações, ainda nos surpreendemos com coisas aqui: situações inéditas do cotidiano; costumes de determinada região que para nós, de uma região diferente, podem parecer estranhos; tradições que desconhecíamos etc. E essa crônica é sobre uma situação desse gênero.

Há pouco tempo, eu estava conversando com um amigo que, por sinal, é veterinário. Meus pais haviam adotado uma cachorrinha linda, filhote ainda, e precisávamos de um nome para ela. Então eu estava pedindo sugestões de um nome a esse amigo. Aí, no meio da conversa, ele diz:

— E, pelo amor de Deus, cachorro com nome de peixe... nunca coloque: Tubarão, Baleia, Piaba. Ai, meu Deus do Céu, não faz isso, não. 

— Tubarão??? – eu disse, caindo na gargalhada. – Tu já viu cachorro com nome de peixe??? Eu só vi na literatura. No livro “Vidas Secas”, do Graciliano Ramos. 

— Ah, pelo interior do Brasil aí, eu já vi. Os cachorros tudo com nome de peixe: Cavalo Marinho, Tubarão, Baleia, Piaba… Manjubinha... Eu falava: “Meu Deus do Céu, por que que cachorro tem que ter nome de peixe se ele é cachorro?”

Enquanto eu ria muito, muito mesmo, ao ouvir os nomes inusitados (pelo menos para mim), ele prosseguia:

— Eu já vi cachorro com nome de Caranguejo, já vi cachorro com nome de Siri. Rapaz, não tô mentindo pra você, não. Se você for andar pelo interior, você descobre cada nome de cachorro. Olha, eu conheci um cachorro com nome de Besouro, só pra você ter uma ideia. Conheci cadela com nome de Maria-Quem-Quem.

E a lista só ia aumentando durante a conversa. Ele acrescentou que já viu cães com nome de Camarão, Sardinha, Tilápia, Tubarão-Martelo, Arraia...

Em certo ponto, o meu amigo diz que gostaria de fazer um estudo a respeito disso para entender essa ligação que tantas pessoas fazem do cachorro com o mar. Em seguida, ele fala mais de sua experiência com essa questão, comenta sobre o estágio que fez no interior de Minas Gerais e sobre o seu raro contato, na época, com um cachorro com nome mais “aceitável”:

— Perguntei a uma senhora: “Qual é o nome do cachorro?” Quando a mulher falou: “Astrogildo, mas pode chamar de Gildo”, eu pensei: “Bom, pelo menos não é nome de peixe”, já fiquei mais satisfeito com o Astrogildo, que é o Gildo, aliás muito simpático, mas foi o único que eu não achei lá com nome de peixe.

Com toda essa conversa bem-humorada, ambos chegamos à conclusão de que a cachorra Baleia do livro do Graciliano Ramos era mais real do que imaginávamos. Pensamos que a escolha do autor não deve ter sido aleatória, e sim com base em algo vivenciado por ele nesse interior brasileiro. 

Grande Graciliano Ramos. Dedico essa crônica a todos os cachorros com nomes literários do Brasil.








 TEXTO: Elaine Regina Vaz 
INSTAGRAM: @elainereginavaz
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
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Comentários

  1. Quando eu tinha oito anos de idade, e morava no interior Araçatuba, eu tinha dois cachorros: um chamava Tubarão e o outro Peixinho, então digo com todas as letras, isto é verídico... Eu sou exemplo disto....😁🤗🤩🤣😂

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    1. kkkkkkkkkkkk Bom saber, Francisca. Que bom que gostou da crônica. <3

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  2. Um texto interessante, que mostra particularidades de um povo que denomina seu "melhor amigo" das maneiras mais inusitadas possíveis, mas sempre com muito carinho. Parabéns por retratar essa curiosidade, de uma maneira tão leve!

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  3. O costume era que se tinha a crença que o cachorro ficava protegido da raiva com o nome marítimo. Tem algum trecho do Câmara Cascudo falando sobre esse costume.

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