Seja...

“Nessa jornada sempre iniciada e nunca finda há de se aprender. Seja na escola da vida ou na escola propriamente dita...”

REVISTA VICEJAR – ARTIGOS E OPINIÕES


Entre o constrangimento e a reflexão, eu convido a todos para seguir na segunda opção. Refletir consegue ir muito mais fundo nas subjetividades humanas e, quem sabe, ressignificar velhos pensamentos, velhos hábitos, velhos modos.

Não é de hoje que a hipervalorização do TER em detrimento do SER nos desloca a tal ponto da posição verdadeira que deveríamos ocupar; que, de repente, não SOMOS apenas ESTAMOS.

Que digam nossas reminiscências coloniais; de tão profundas, nos impedem de reconhecer a nossa própria identidade, como se precisássemos de artifícios mil, para existir em pé de igualdade com os demais no mundo.

Títulos. Posses. Homenagens. Círculos sociais requintados. Pompa e circunstância. Enfim... Como se valesse tudo a pena para pertencer, para ser aceito, para desfrutar de uma pseudo visibilidade no High Society. Uma verdadeira ode à casca ao contrário do fruto; uma apologia ao “vale quanto pesa”.

Imagino que todos já tenham se dado conta de que viver não é uma tarefa fácil. Para início de conversa, nascemos nus, desdentados, sem linguagem definida, dependentes de tudo e de todos. E é assim que vamos, lentamente, caindo e levantando para aprender o ofício de viver; mas, sobretudo, de existir.

Nessa jornada sempre iniciada e nunca finda há de se aprender. Seja na escola da vida ou na escola propriamente dita, a construção quantitativa e qualitativa do conhecimento é inevitável. Porque viver não cobra boletins e estrelinhas de mérito; mas, cobra o saber. Saber pensar. Saber responder. Saber fazer. Saber se comportar. Saber em todas as formas e sentidos.

Ontem, mudando aleatoriamente de canal na TV, me deparei com o filme “Tempos de Paz” (2009) [1], já quase no fim. Mesmo assim, parei para assistir o diálogo envolvente e dramático entre as personagens Clausewitz (Dan Stulbach) e Segismundo (Tony Ramos). Quando, de repente, Clausewitz num rompante se manifesta, “[...] Olha, eu sei que o Brasil precisa de braços para a agricultura, mas eu sou ator. Esta é a minha profissão. Eu ainda não sei para que serve o Teatro no mundo depois da Guerra. Só sei que eu tenho que continuar a fazer o que sei fazer. Um dia alguém vai saber para que serve. Se serve. Para mim basta fazer. Fazer teatro”.

Essa fala da personagem diz muito sobre essa reflexão, sobre se manter fiel à própria identidade. Ainda que a Pós-Modernidade venha nos conduzindo a assumir diferentes posições de sujeito e, por consequência, diferentes identidades; sempre chega o momento em que se faz necessário assumir aquela que de fato nos representa. Aquela que nos traduz diante e além do espelho; bem como, para o mundo. Sem retoques. Sem estereótipos. A nossa identidade que estava conosco quando ainda não tínhamos nada além da própria subjetividade intrínseca a cada milímetro de pele.

Eu sei que Clarice Lispector escreveu, “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Mas, também sei que muitos deles nem são defeitos genuínos; são, adornos dessas identidades muitas que se assume por aí. Por isso, aqui e ali cada um vai se “sustentando” como pode, muitas vezes, preso por grilhões invisivelmente materializados pelo inquisidor senso comum da sociedade pós-moderna. Rendidos às vigilâncias e controles que nos escapam as forças de rechaçá-los com a devida veemência.

Agora, durante a Pandemia, muitas pessoas têm buscado resgatar a identidade na sua essência e vivê-la de uma maneira plena, sem amarras impostas pela estrutura coletiva em que vivemos. Porque, como mesmo afirmou Nelson Rodrigues, na peça “Toda Nudez será Castigada” (1965) [2], a sociedade vive permeada de conservadorismos e hipocrisias que de tanto, nos asfixiam e podem até matar.

Esse é o momento, então, do desapego, da ruptura, do desnudar-se das alegorias e adereços e, simplesmente, ser. Assumir-se com todos os defeitos e qualidades que qualquer ser humano traz no pacote. Com todas as imperfeições éticas e morais. Com todas as carências e frustrações. Com todo o gigantismo e pequenismo que habita a alma. Só assim, quem sabe, “toda nudez possa ser perdoada”.

[1] Tempos de Paz (2009). Baseado na premiada peça teatral “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, de Bosco Brasil. http://biblioteca.ifc.edu.br/wp-content/uploads/sites/9/2017/06/Tempos-de-paz.pdf

[2] Rodrigues, N. Toda Nudez será Castigada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. 128p.   









Alessandra Leles Rocha é natural de Uberlândia, Minas Gerais. É Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre em Geografia (Área de Concentração: Análise, Planeamento e Gestão Socioambiental) e Graduada em Letras – Habilitação em Inglês e Literaturas de Língua Inglesa, todos pela Universidade Federal de Uberlândia. Passou a dedicar-se à literatura, a partir do segundo semestre de 2004, publicando seus textos na Internet. A partir de 2006, tem sido classificada em concursos literários e recebido várias premiações. Foi agraciada com diversos títulos, certificados e diplomas como membro de entidades voltadas para as áreas cultural e literária. Atualmente, dedica-se aos seus Blogs, o http://alrocha-antenacultural.blogspot.com.br/ (Educação, Cultura e Cidadania) e o https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/ (Literatura e a Linguística); bem como, colabora com o site Para Ler & Pensar e o Portal Mhario Lincoln do Brasil.
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