Crônica inacabada

“Durante alguns minutos, não pensei em mais nada. Deixei a própria vida pensar e agir por mim.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


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_____Abri meus olhos e me vi só. Observando-me estava apenas o relógio pendurado na parede registrando a fugacidade do tempo. Mesmo possuída pelo sono e pela minha preguiça diária, levantei-me.

_____No banheiro escovei meus dentes e lavei meu rosto. Sorri e o espelho estampou sem receio as marcas, que a idade sempre nos deixa.

_____Tempos depois, na cozinha, tomei um gole de café na tentativa frustrada de enganar a fome. Eu tinha fome de quê? Decidi então, espiar o mundo lá fora. Fazia um dia nublado, o Sol tímido desapontava como um ponto opaco no céu.

_____Pássaros cantavam, carros trafegavam, pessoas caminhavam. Até que de repente, senti uma vontade súbita de caminhar pelo mundo. Vesti o meu melhor casaco, ganhei as ruas, dobrei esquinas, subi e desci ladeiras. E no final, repousei meu corpo no banco de uma praça. Crianças brincavam, idosos se divertiam jogando dominó, os galhos das árvores balançavam de acordo com o ritmo do vento, pardais e rolinhas bicavam mangas.

_____A crônica da vida se desenhava para mim. Em cada rosto que me esquadrinhava, a cada buzina frenética que ecoava pelos quatros cantos. Virei testemunha da vida e a vida também me testemunhava. Durante alguns minutos, não pensei em mais nada. Deixei a própria vida pensar e agir por mim.

_____A tarde se aproximava e com ela uma repentina fome. Deixei a praça e atravessei uma rua. Acomodei-me num botequim. Debruçada sobre o balcão, chamei o garçom e pedi um copo de refrigerante e um sanduíche de presunto. E antes mesmo da primeira mordida, resolvi folhear o jornal que estava ao meu lado, sobre o balcão.

_____Entre as notícias sangrentas e corruptas, eis que encontrei no canto da última página um texto, cujo seu título era “Crônica inacabada”, curiosa, assim iniciei minha leitura. O texto começava assim “Abri meus olhos e me vi só. Observando-me, estava apenas o relógio pendurado na parede...”


 TEXTO: Mayanna Velame 
INSTAGRAM: @portugues_amoroso 
Mayanna Velame nasceu em Manaus, em 1983. É graduada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Amazonas. É autora do livro "Português Amoroso" (Editora Madrepérola/Maio de 2020). Escreve periodicamente contos, crônicas e poesias para os sites: "Revista Vicejar", "Revista Conexão Literatura", "Texto Garagem" e "Corvo Literário".
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.

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