A senhora que esqueceu de viver

“Mas o curto tempo desta vida, é algo que o relógio dispensa, penso que também nos ilude.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )



_____Ouvimos muitas histórias, contada pela voz cansada, daqueles longevos dotados de sabedoria e olhares postos na memória do tempo. Algumas de cunho humorístico para se fazer sorrir os mais distraídos e tristonhos. Outras, trazem uma carga pesada de sofrimento, da dura batalha que se é viver. Um dia de cada vez, bem sabemos.  

_____– Mas quantos dias trazem por si só uma vida inteira?  

_____Talvez aqueles, demasiados longos para suportar vinte e quatro horas, ou quem sabe, peso descomunal de nossas memórias.  

_____A senhora que esqueceu de viver...  

_____Trabalhava dezesseis horas por dia, esquecia até mesmo de comer, eram tempos difíceis e os contos e tostões lhe valeriam num futuro próximo um bem estar e uma condição estimada.  

_____A sociedade abriga gente moderna e vestimentas de cabidal, as casas são de azulejos pintados à mão, e uma boa lareira sempre aconchega num inverno distante ao fim da vida.  

_____Era jovem, e a força lhe vingava nos braços, e o sangue bombeava o entusiasmo pelo melhor que a vida tinha para oferecer. Suportar a dureza de ter poucos tostões, mas com a certeza de que seria um dia, gente moderna e quem sabe um pouco mais.  

_____Rejeitou o amor mais que uma vez, mesmo sendo bela em sua simplicidade, faltava-lhe tempo para essas crendices que dizem os poetas e os livros. Até pensou em filhos, mas a vida passara tão apressadamente, pensa ter sido iludida pelo tempo, que hoje lhe agoura a memória.  

_____Nunca pensei que a vida me sorrisse e tão depressa acenasse-me ao longe. Parecia-me curta, mas não  tão  breve. Sim, porque a brevidade das coisas é como uma fatia de bolo rei, todos sabemos a época de saboreá-lo, por isso é  tão desejado. Mas o curto tempo desta vida, é  algo que o relógio dispensa, penso que também nos ilude.  

_____Desejei possuir coisas, e possui coisas, todas as coisas perecíveis possíveis. É aconchegante ter uma lareira para aquecer-me do inverno. Mas ainda gostava de possuir o calor de um abraço. É lindo os versos que trazem os livros, esquecidos na estante da sala.  

_____As crianças fazem um barulho peculiar e agradável quando andam às voltas do jardim.  

_____Abracei-a com ternura.  

_____– É bom!  

_____– Acho que sou uma senhora que se esqueceu de viver... confessou com um breve sorriso e a voz cansada e emocionada. 









 TEXTO: Flaviane Borges  
FACEBOOK: Depois-daqueles-dias 
Flaviane Borges Gomes, nascida aos 25 de setembro de 1981, em Dom Cavati, interior de Minas Gerais. Completou seus estudos na Escola Estadual Profa. Ilma de Lana Emerik Caldeira, em 1999. Despertou gosto pela escrita desde muito cedo, embora tenha um vasto material escrito, dentre poesias, frases filosóficas, textos e afins, o que fez por amor à escrita em seus momentos sós. Participou da Antologia "Arte em Poesia", pela Editora Sol. É autora da "Página depois daqueles dias", que leva o nome do seu primeiro livro a ser publicado em breve. Hoje luso-brasileira, reside em Portugal, onde continua sua jornada no mundo da escrita.
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A articulista atua como Colaboradora deste Blog e o texto acima expressa somente o ponto de vista da autora, sendo o conteúdo de sua total responsabilidade.
                                                 

Comentários

  1. Quantas vezes, a pressa de viver nos impede de viver, sem que disso nos possamos aperceber!
    Quantas coisas simples e singelas, nem temos tempo de olhar para elas?
    E o tempo vai passando, as rugas vão chegando e quando olhamos o espelho, queremos enganar o tempo, porque passou o tempo de ser, o que um dia sonhámos ser...

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