Uso obrigatório de máscara

“Não mantemos o distanciamento protocolar exigido na tevê: falta espaço para isso no estabelecimento.”

REVISTA VICEJAR – LITERATURA ( Crônica )


 

_____Espero minha vez na fila da lanchonete. À frente, o garoto de boné compra Fandangos e Galak; paga em dinheiro trocado. O baixinho do caixa separa as moedas de dez e cinco centavos em um montinho à parte. Reconta, diz: obrigado, volte sempre. Maquinalmente. Sem expressão, como Dolph Lundgren em Mestres do Universo.

_____Há quase quinze anos compro nesta lanchonete. O baixinho é o proprietário. Recebe a clientela com “bom dia, tudo bem” sem sequer levantar os olhos. O garoto sai, abrindo ruidosamente a embalagem de biscoitos. A fila anda. Não mantemos o distanciamento protocolar exigido na tevê: falta espaço para isso no estabelecimento.

_____Agora é a vez da loira de jeans coladinho. A máscara rosa cobre-lhe o queixo. Com uma nota de vinte paga a lata de Coca e o quibe já pela metade. O baixinho passa-lhe o troco, diz: obrigado, volte sempre. A moça guarda as cédulas e as moedas no bolso de trás da calça; desce rebolando para a calçada. Na parede da lanchonete, os ponteiros do relógio requebram para mim como odaliscas travessas.

_____A velhota de máscara preta paga o cigarro com cartão. De crédito, diz. Sai capengando enquanto o “obrigado, volte sempre” se perde entre os ruídos do trânsito. Enfim, minha vez. “Bom dia, tudo bem” repete o baixinho. Apresento-lhe a comanda: uma esfirra, um guaraná e um sanduíche natural (este comerei à tarde: estou farto dos sequilhos que a chefe compartilha na repartição). Peço um Halls de menta. No débito, digo, mostrando o cartão. Demoro a digitar a senha: os óculos embaçam com a máscara, justifico.

_____– Eu não uso máscara. O baixinho proclama, esfíngico. Podem vir os fiscais do prefeito, os homens, o juiz, o escambau que eu não uso máscara. Pago multa, mas não uso esse troço, conclui. Só faltou dizer que o vírus é fruto de um conluio entre a China, a Globo e o PT.

_____Em silêncio, digito a senha. Espero a emissão da via; leio o cartaz afixado com durex ao lado do caixa: USO OBRIGATÓRIO DE MÁSCARA. O baixinho me entrega a via com o indefectível obrigado, volte sempre. Na calçada, resmungo: nessa lanchonete não piso mais.


Mineiro da cidade de São Geraldo, graduado em Direito e História, Servidor Público, escritos de contos, poemas e crônicas. Publicou "Confissões", livro de contos, pela Editora Porto de Lenha, em 2020. Divulga seus escritos na página "Algumas Reminiscências Poéticas", no Facebook e em seu perfil do Instagram. Publica também os poemas no site "Recanto da Letras" e crônicas no "medium.com" e em seu blog pessoal "Raphael Cerqueira Silva - Escritor".
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Comentários

  1. kkkkkkkk... será que o baixinho tá certo? Quem sabe ele está "portando" algum "chip's" de cloroquina para inibir a chegada do vírus em seu corpo? kkkkkkkkkkkkkkkkkkk.

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